Profissionais de saúde relatam hostilidade no transporte público; "Sai daqui, vai me passar doença"

Profissionais de saúde relatam hostilidade no transporte público;

"Eu respondi: vocês me desculpem, mas quem tem que ficar dentro de casa são vocês. Eu estou aqui porque eu preciso estar nos hospitais para cuidar de vocês", afirmou a técnica de enfermagem.

Depois de um turno cheio de atendimentos no hospital — muitos relacionados ao pânico da população em relação ao novo coronavírus, segundo a profissional —, ela narra uma situação ainda pior na volta para casa.

Ao pegar um trem no Brás para Rio Grande da Serra, conta, um rapaz encostou em seu peito e disse: nesse vagão você não entra.

"Me empurrou para trás. Eu fiquei com medo e esperei vir um outro trem. Porque pensei: "Vai que eu vou no mesmo vagão e, como está meio vazio, ele pula e me agride aqui?'"

Os relatos de agressão e hostilidade contra profissionais de saúde têm aumentado desde ontem, segundo a presidente do Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo (Coren-SP), Renata Pietro.

"Começou ontem (quinta-feira, 19). Eu recebi pelo WhatsApp mensagens de cinco profissionais com relatos de que tiveram dificuldade no transporte público, principalmente na linha azul do metrô, que é a linha em que nós temos muito hospitais", diz.

"As mensagens diziam: "Olha, não estão querendo deixar a gente entrar no vagão, uma amiga teve uma colega agredida". Gente dizendo: "Sai daqui, você vai me passar doença". Empurram, atiram objetos", diz, acrescentando que o Coren-SP está entrando em contato tanto com esses profissionais agredidos quanto com as instituições em que eles trabalham, buscando formas de amenizar o risco em tempos de coronavírus.

"É uma situação extremamente delicada e precisamos tentar não gerar pânico, porque vamos precisar muito dessa comunidade de enfermagem, que já vem apavorada", alerta a presidente do Coren-SP.

"E aí você fica imaginando como está a saúde mental de um profissional desse — que todo dia deixa a sua casa, todo mundo em quarentena e ele sai e deixa sua família lá, se expondo ao risco. E é hostilizado no transporte público? Como se trabalha o resto do dia?"

Em nota, a secretaria Estadual dos Transportes Metropolitanos disse que "valoriza os profissionais da saúde, que neste período prestam nobremente alta contribuição à sociedade".

Medo e falta de informação

O técnico em enfermagem Jefferson Souza da Silva, 30 anos, que mora em Barueri e trabalha em um hospital na Liberdade, diz que já na quarta-feira (18) sentiu a mudança de clima em relação a ele no trem da CPTM por volta das 7h da manhã.

"Eu vou trabalhar de branco, normalmente. Quando eu entrei na estação de Barueri, dentro do trem, observei um movimento muito incomum, porque geralmente as pessoas sentam do meu lado. Nesse dia ninguém sentou, de Barueri até a Barra Funda", diz. "Senti muitos me olhando com olhar torto, totalmente diferente".

Ele acredita que o que despertou o medo foi sua roupa branca.

"O avental eu coloco só dentro da instituição, mas vou trabalhar de sapato, calça e camiseta brancos".

Silva diz que, sem ser de transporte público, ele não teria outra alternativa para ir trabalhar. O técnico em enfermagem diz que o fluxo de trabalho tem crescido e o hospital em que trabalha, inclusive, quer contratar mais profissionais em razão da emergência.

"É complicado porque a ignorância do ser humano acaba atrapalhando todo o fluxo para o combate dessa pandemia", diz.

Celícia conta que desistiu do transporte público e passará a ir de carro para o trabalho por conta do medo de sofrer novos ataques.

"Na hora, a vontade que dá é de recuar da profissão, já que as pessoas acham que não somos a linha de frente e não temos importância. Só que não é assim: sabemos que muitos que não têm esse pensamento maldoso não têm culpa da situação."

Ela atribui grande parte do problema à falta de informação da população, que adota procedimentos errados e entra em pânico. As duas profissionais destacam à BBC News Brasil que obedecer as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) de restringir o contato social e lavar as mãos com água e sabão é muito mais relevante do que preocupar-se com a roupa de quem circula no metrô.

"Preocupar-se com a roupa dos outros não é uma recomendação da OMS", diz Renata Pietro, do Coren-SP, que acrescenta que a violência contra profissionais de saúde em situações emergenciais já era um problema para o setor antes do coronavírus, alvo até de campanhas do conselho contra a violência.

"Agora, nessa questão do transporte público está sendo inédito".

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