"Acabou abrindo mão da escolta por pena do ex", lamenta amiga de juíza assassinada

Três meses depois de denunciá-lo à polícia e passar a contar com uma escolta cedida pelo Tribunal de Justiça (TJ) do Rio, Viviane foi assassinada a facadas por Paulo José. O feminicídio ocorreu no fim da tarde de quinta-feira na Barra, no momento em que entregava as meninas ao pai, com quem esperavam passar a noite de Natal. Estava sozinha com as filhas, de idade entre 7 e 9 anos: tinha decidido, um mês atrás, abrir mão do esquema de proteção. Sentia-se incomodada com a presença permanente de seguranças e queria preservar, apesar de tudo, a imagem do homem com quem viveu por mais de uma década e formou uma família.

— Era uma pessoa supertranquila, que nunca impediu as filhas de verem o pai — afirmou nesta sexta-feira um dos seguranças que faziam a escolta de Viviane. — Levávamos ela e as crianças no carro para vários lugares. As meninas ficavam um tempo com ele e depois voltavam com a doutora — completou.

Uma colega do Tribunal de Justiça do Rio também comentou o esforço de Viviane para poupar as crianças do relacionamento conturbado com Paulo José. — Ficou evidente que ela tentava preservar a figura do ex-marido como pai. Tentou se proteger e, ao mesmo tempo, protegê-lo. Acabou abrindo mão da escolta por pena dele — disse uma magistrada, que pediu anonimato.

O acusado segue preso e teve a prisão temporária decretada.

Corpo cremado

O corpo da juíza Viviane Arronenzi será cremado neste sábado (26), às 10h30, em cerimônia no Crematório e Cemitério da Penitência, no bairro do Caju, zona portuária do Rio.

Em nota, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Luiz Fux, lamentou a violência contra a juíza, morta na presença das filhas e impossibilitada de reação. Ele destaca que o STF e o CNJ “unem-se à dor da sociedade fluminense e brasileira e à dos familiares da juíza Viviane Vieira do Amaral Arronenzi, magistrada exemplar, comprometendo-se, nessa nota pública, com o desenvolvimento de ações que identifiquem a melhor forma de prevenir e de erradicar a violência doméstica contra as mulheres no Brasil”.

Em outro trecho da nota, o ministro lembra que “tal forma brutal de violência assola mulheres de todas as faixas etárias, níveis e classes sociais, uma triste realidade que precisa ser enfrentada, como estabelece a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, Convenção de Belém do Pará, ratificada pelo Brasil em 1995”.

“Lamentamos mais essa morte e a de tantas outras mulheres que se tornam vítimas da violência doméstica, do ódio exacerbado e da desconsideração da vida humana. A morte da juíza Viviane Vieira do Amaral Arronenzi, no dia 24 de dezembro de 2020, demonstra o quão premente é o debate do tema e a adoção de ações conjuntas e articuladas para o êxito na mudança desse doloroso enredo. Pela magistrada Viviane Vieira do Amaral Arronenzi. Por suas filhas. Pelas mulheres e meninas do Brasil”, conclui Fux.

Amaerj

O presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Rio (Amaerj), Felipe Gonçalves, repudiou o crime em nome da entidade e no dele, na condição de colega, magistrado e dirigente de associação de classe. “A Amaerj está à disposição da família, com quem já estamos em contato. A doutora Viviane Amaral não será esquecida”, disse Gonçalves.

Ele informou ter conversado com o secretário de Polícia Civil do Estado do Rio, Alan Turnowski, e com o delegado Pedro Casaes, que esteve no local do crime. “Posso afiançar: esse crime não ficará impune. O feminicídio tem o repúdio veemente da sociedade brasileira. O Brasil precisa avançar. O que ocorreu nesta quinta-feira na Barra da Tijuca é absolutamente inaceitável”, afirmou.

Viviane Vieira do Amaral Arronenzi integrava a magistratura do estado do Rio de Janeiro há 15 anos. Atualmente, trabalhava na 24ª Vara Cível da capital. Antes, atuou na 16ª Vara de Fazenda Pública, no fórum central do Rio.