Com 18 mortes, Mianmar tem dia mais sangrento de protestos contra golpe militar

Com 18 mortes, Mianmar tem dia mais sangrento de protestos contra golpe militar

 

Mianmar vive um caos desde que o Exército tomou o poder e prendeu a líder governamental eleita Aung San Suu Kyi e grande parte de sua liderança partidária, alegando fraude em uma eleição de novembro que seu partido venceu. O golpe, que interrompeu as tentativas de democracia após quase 50 anos de regime militar, vem atraindo centenas de milhares de pessoas às ruas e a condenação dos países ocidentais.

Mas os protestos são reprimidos de forma cada vez mais sangrenta, com gás lacrimogêneo, jatos de água, balas de borracha e, em alguns casos, munição letal.

Neste domingo, três homens morreram em uma manifestação na cidade de Dawei, ao sul do país, onde 20 pessoas também foram feridas, de acordo com as equipes de emergência e a imprensa local.

As vítimas morreram depois que foram “atingidas por tiros de munição letal”, disse à AFP Pyae Zaw Hein, um socorrista voluntário. Os feridos receberam impactos de balas de borracha, explicou, antes de alertar para a possibilidade de “mais vítimas porque continuamos recebendo feridos”.

Outros dois jovens de 18 anos morreram na cidade de Bago, segundo as equipes de emergência. Os óbitos foram confirmados pela imprensa local, que fica ao norte de Yangon.

Uma sexta pessoa faleceu em Yangon, informou no Facebook um ex-deputado do governo civil derrubado pelos militares, Nyi Nyi. A vítima era um jovem de 23 anos atingido por tiros.

Até este domingo haviam sido contabilizadas cinco mortes entre nas manifestações desde o golpe. O exército afirma que um policial morreu quando tentava dispersar um protesto.

“A clara escalada do uso de força letal em várias cidades do país é escandalosa e inaceitável, e deve parar imediatamente”, condenou Phil Robertson, subdiretor da divisão Ásia na ONG Human Rights Watch.

Muitos países também condenaram a repressão. Estados Unidos e União Europeia denunciaram a violência das forças de segurança e afirmaram que a junta militar deve deixar o poder.

Em Yangon, as forças de segurança dispersaram rapidamente um protesto neste domingo. “A polícia começou a atirar assim que chegamos”, declarou à AFP Amy Kyaw, uma professora de 29 anos.

Imagens exibidas ao vivo nas redes sociais mostraram as forças de segurança utilizando gás lacrimogêneo contra a multidão em Yangon e jatos de água na cidade de Mandalay, mais ao norte.

Em Myityina (norte), as forças de segurança agrediram um jornalista, que foi detido. No sábado (27), as forças de segurança também responderam com violência em várias manifestações, que eram pacíficas no geral.

Ao menos três jornalistas foram detidos: um fotógrafo da agência americana Associated Press e um cinegrafista e fotógrafo de duas agências birmanesas, Myanmar Now e Myanmar Pressphoto.

Mais de 850 pessoas foram detidas, acusadas ou condenadas, por participação nas manifestações, segundo a ONG de ajuda aos presos políticos AAPP. Os números devem aumentar em breve, depois que a imprensa estatal informou 479 detenções no sábado.

Aung San Suu Kyi, vencedora do Nobel da Paz em 1991, não é vista em público desde que foi detida. Ela está em prisão domiciliar em Naypyidaw, a capital do país, acusada de ter importado walkie-talkies de maneira ilegal e de ter violado as restrições impostas pela pandemia de Covid-19. Na segunda (1º) ela vai comparecer a uma audiência para responder sobre estas acusações.

Também no sábado, a junta militar destituiu o embaixador do país na ONU, Kyaw Moe Tun, que, um dia antes, havia defendido o fim do golpe militar e solicitado “a ação enérgica da comunidade internacional para terminar com a opressão da população inocente e devolver o poder ao povo”. O porta-voz da ONU, Stephane Dujarric, afirmou que a organização não foi informada formalmente sobre a destituição do diplomata.

O Exército vem tentando usar supostas acusações de fraude no pleito como justificativa para a tomada de poder. Os militares também acrescentaram à narrativa o argumento de que a comissão eleitoral do país usou a pandemia de coronavírus como pretexto para impedir a realização de uma campanha justa. Dizem ainda que agiram de acordo com a Constituição e que a maior parte da população apoia sua conduta, acusando manifestantes de incitarem a violência.

O general Min Aung Hlaing, que assumiu o controle do país com o golpe, decretou em 1º de fevereiro um estado de emergência que deve durar um ano. “Colocaremos em operação uma verdadeira democracia multipartidária”, declarou o novo regime, acrescentando que o poder será transferido após “a realização de eleições gerais livres e justas”.

A promessa, apesar de reiterada, é encarada com ceticismo pelos mianmarenses opositores e por observadores internacionais. A LND, partido de Suu Kyi que comanda o país desde 2015, obteve 83% dos votos e conquistou 396 dos 476 assentos no Parlamento nas últimas eleições, realizadas em novembro do ano passado. A legenda, entretanto, foi impedida de assumir quando o golpe foi aplicado no dia da posse da nova legislatura. O Partido da União Solidária e Desenvolvimento, apoiado pelos militares, obteve apenas 33 cadeiras.

Mianmar tem um violento histórico de reações a protestos. Na revolta de 1988, mais de 3.000 manifestantes foram mortos pelas forças de segurança do país durante atos contra o regime militar -o país viveu sob uma ditadura de 1962 a 2011.