Dinamarca desiste de usar vacina da AstraZeneca

Dinamarca desiste de usar vacina da AstraZeneca

 

No Reino Unido, país europeu que já imunizou mais de 60% dos adultos, o Winton Center para a Comunicação de Riscos e Evidências divulgou gráficos para aumentar a confiança da população, comparando os problemas sérios que a vacina da AstraZeneca evita e os que pode provocar, por faixa etária.

Os cálculos partem de uma taxa de infecção semelhante à do Reino Unido, em torno de 20 casos por 100 mil habitantes –quanto maior a contaminação, mais benefícios tem a vacina em relação aos riscos causados.

Numa situação de pandemia mais controlada, como a britânica, o número de pessoas que evitam uma internação em UTI por terem sido imunizadas só não supera o dos que podem ter alguma reação grave à vacina nos jovens até 29 anos. Com base nessa análise, o governo britânico decidiu não vacinar pessoas de até 30 anos com a AstraZeneca, no que foi seguido pela Grécia.

O estudo mostra que o imunizante provoca ao menos o triplo de benefícios em relação aos riscos nos que têm 30 anos, e a diferença chega a 10 vezes na faixa dos 40 anos e a 70 vezes para os maiores de 60 anos. A escala é ainda maior em países com alta taxa de contaminação.

Apesar dos números, em outros 11 países europeus além da Dinamarca a administração do produto foi restrita a idades mais altas, e a Itália orientou para que ela fosse evitada nos que têm menos de 60 anos.

“É uma decisão difícil em meio a uma epidemia descartar uma vacina eficaz e acessível contra Covid-19. Mas temos outras disponíveis e um bom controle da epidemia”, afirmou em comunicado o diretor do Conselho Nacional de Saúde da Dinamarca, Soren Brostrom.

O país continuará sua campanha de vacinação com as cerca de 120 mil doses de vacinas da Pfizer/BioNTech e Moderna, mas sua meta para concluir a proteção de todos os com mais de 50 anos deve ser atrasada em três semanas, para o início de junho.

A imunização de todos os maiores de 16 anos agora é prevista para a primeira semana de agosto, um adiamento de duas semanas em relação aos planos anteriores.

Segundo dados do centro de controle de doenças europeus (ECDC) atualizados nesta quarta-feira (14), a Dinamarca ainda tem cerca de 50 mil doses de AstraZeneca, das pouco mais de 200 mil recebidas.

Os cerca de 150 mil habitantes que receberam uma primeira dose de AstraZeneca tomarão outro imunizante na segunda dose, segundo o Conselho Nacional de Saúde.

No mesmo dia em que sofreu o revés na Dinamarca, a vacina da AstraZeneca recebeu uma boa avaliação em estudo preliminar do Consórcio de Imunologia de Coronavírus do Reino Unido e da Universidade de Birmingham.

Na primeira comparação direta entre o imunizante com o fabricado pela Pfizer, os cientistas afirmam que a AstraZeneca induziu uma resposta imune celular mais forte em adultos idosos, potencialmente fornecendo mais proteção contra Covid-19 grave e novas variantes do vírus.

Ambas as injeções provocaram uma resposta de anticorpos no grupo de maiores de 80 anos de cinco a seis semanas após a primeira dose, mas os que receberam a AstraZeneca tinham resposta mais forte de células T, que integram o sistema de defesa.

Cientistas acreditam que essas estruturas sejam relevantes para combater variantes, porque tendem a ser menos enganadas pelas coronavírus mutantes, em relação aos anticorpos.

As respostas das células T foram relatadas em 31% dos vacinados com AstraZeneca e em 12% dos que receberam uma dose de Pfizer. Segundo os autores, as taxas podem aumentar após a segunda dose.

No Brasil, em que a vacina da AstraZeneca também é usada, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) determinou a inclusão na bula de advertência sobre possíveis casos muito raros de formação de coágulos sanguíneos.

A agência brasileira manteve a recomendação do imunizante sem restrições de idade, “uma vez que, até o momento, os benefícios superam os riscos”.

Dentre 4 milhões de doses aplicadas da vacina de Oxford no país até a semana passada, foram registrados 47 casos suspeitos de eventos adversos tromboembólicos, sendo apenas um associado à trombocitopenia (diminuição do número de plaquetas, que são fragmentos de células que ajudam a coagular o sangue).

Não há comprovação, segundo a Anvisa, de que esses casos tenham relação com o uso da vacina. “Também não foram identificados fatores de risco específicos para a ocorrência do evento adverso”, informa.

ENTENDA O CASO

Quais foram os problemas relatados com a vacina da AstraZeneca?

Os mais preocupantes foram casos raros de coágulos nos vasos que drenam o sangue do cérebro –chamados de CVST– e quadros graves e mais raros de coágulos associados a níveis baixos de plaquetas sanguíneas (elementos no sangue que ajudam a coagular), conhecidos como DIC.

Com que frequência aconteceram esses problemas?

No Reino Unido foram identificados 79 casos de coágulos sanguíneos raros entre mais de 21 milhões de doses da AstraZeneca; 19 vacinados morreram. Isso corresponde a 3,8 casos e 0,9 morte a cada 1 milhão de vacinados.

A EMA recebeu até 22 de março 62 relatos de tromboses venosas no seio cavernoso cerebral (CVST) e 24 casos de trombose venosa esplâncnica (que envolve veias abdominais), dos quais 18 resultaram em morte, considerando um total de 25 milhões de vacinados. Isso corresponde a 3 casos e 0,72 morte por 1 milhão de vacinados.

Houve tromboses raras também em pessoas que receberam outras vacinas?

Sim. Até esta quarta, a EMA registrou 3 casos entre 4,5 milhões de doses administradas da Janssen, 35 casos em 54 milhões de doses da Pfizer/BioNtech e 5 casos em 4 milhões de doses da vacina da Moderna.

Quais as conclusões da análise na Europa?

O comitê de segurança concluiu que:

  1. os benefícios da vacina no combate à Covid-19 (que por si só resulta em problemas de coagulação e pode ser fatal) superam o risco de efeitos colaterais;
  2. acidentes vasculares graves raros são efeitos colaterais possíveis do imunizante;
  3. não há evidência de um problema relacionado a lotes específicos da vacina ou a locais de fabricação específicos;
  4. não foi possível identificar fatores de risco específicos ou explicar como se daria o efeito;

Por que se diz que os casos são raros?

Os episódios relatados até agora aconteceram em proporções menores que os normalmente desencadeados por outros medicamentos, como, por exemplo, a pílula contraceptiva.

Segundo o chefe do Departamento de Farmacovigilância e Epidemiologia da EMA, Peter Arlett, “se foram dados contraceptivos hormonais combinados durante um ano a 10 mil mulheres, haverá uma formação de coágulos sanguíneos em excesso nesse ano”.

Como as conclusões afetam a vacinação?

A EMA recomenda que a vacinação prossiga normalmente, já que os riscos são raros e os benefícios são comprovados. Mas continuará analisando possíveis riscos e fez alertas de cuidado para pacientes e equipes de saúde.

Que alertas foram feitos aos pacientes?

Devem procurar assistência médica imediata e mencionar sua imunização recente se tiverem qualquer um destes sintomas após receber a vacina:

  • falta de ar;
  • dor no peito ou estômago;
  • inchaço ou frio em um braço ou perna;
  • dor de cabeça grave ou piorando ou visão turva após a vacinação;
  • sangramento persistente;
  • vários pequenos hematomas, manchas avermelhadas ou arroxeadas ou bolhas de sangue sob a pele.

Quem recebeu a primeira dose da AstraZeneca deve tomar a segunda?

A agência reguladora do Reino Unido recomenda que sim, a não ser que a pessoa tenha experimentado qualquer problema relacionado à circulação venosa. A Dinamarca e a França darão outro imunizante, e alguns países estudam aplicar apenas uma dose nos mais velhos.

Mas, afinal, a vacina da AstraZeneca é segura?

Sim, de acordo com os parâmetros de segurança usados pelos reguladores.

Não existe medicamento 100% seguro e efeitos colaterais adversos podem ocorrer em escala diminuta com qualquer produto farmacêutico.

No Brasil, a ocorrência de efeitos adversos graves nos vacinados corresponde a 0,007%, segundo dados do Ministério da Saúde divulgados em março, considerando ainda as duas vacinas aplicadas, a Coronavac e a Oxford/AstraZeneca.

Que efeitos colaterais têm sido reportados no Brasil?

Dentre 4 milhões de doses aplicadas da vacina de Oxford por aqui, foram registrados até o começo de abril 47 casos suspeitos de eventos adversos tromboembólicos, sendo apenas um associado à trombocitopenia (diminuição do número de plaquetas, que são fragmentos de células que ajudam a coagular o sangue).

Por que os reguladores insistem que os benefícios superam os riscos?

Ensaios clínicos feitos no ano passado mostraram que a vacina da AstraZeneca tinha eficácia de 70% em indivíduos com menos de 55 anos. O imunizante apresentou uma boa resposta imune, inclusive celular, era seguro e induzia resposta imune em todas as faixas etárias.

No mês passado, a farmacêutica divulgou uma nova taxa de eficácia de 76%, a partir de estudos feitos nos EUA, Peru e Chile, com proteção de de 100% nos casos graves e internações.

Os resultados preliminares indicaram uma proteção acima de 80% contra casos sintomáticos da Covid-19 em pessoas com mais de 65 anos –idosos são os mais suscetíveis a complicações sérias e óbitos.

Ao evitar que pessoas adoeçam gravemente e morram, a vacina salva vidas em um número muitas vezes superior às que podem eventualmente ser perdidas se for identificada uma relação direta entre o imunizante e os casos raros de acidente vascular, dizem os reguladores.

Quais países já autorizaram o uso da vacina?

A vacina da Oxford recebeu, em dezembro de 2020, autorização para uso emergencial no Reino Unido e, em janeiro, a Anvisa aprovou o uso do imunizante no Brasil. Alguns dias depois, a agência regulatória europeia também aprovou seu uso emergencial na União Europeia.

A Índia aprovou o uso da Covishield, vacina da AstraZeneca e do Instituto Serum indiano, no início do ano. África do Sul, Canadá, e a própria OMS também aprovaram a vacina da Oxford. A FDA, agência regulatória norte-americana, deve concluir a análise dos dados dos testes e aprovar o uso emergencial do imunizante no país nas próximas semanas.

E como a vacina se comporta contra as novas variantes?

Com os novos estudos reconduzidos pela Oxford/AstraZeneca no Reino Unido e na África do Sul, a vacina se mostrou eficaz contra a variante do Reino Unido (a B.1.1.7), mas, na África do Sul, um ensaio clínico com poucos participantes, a maioria infectado com a variante sul-africana B.1.351, mostrou que a vacina não teve eficácia contra a nova cepa.

Dados ainda preliminares de um estudo feito pela Fiocruz em laboratório com soros de indivíduos vacinados mostram que há potencial da vacina de proteção contra a variante P.1, mas ainda é preciso fazer testes na população.

Qual a relevância da vacina da AstraZeneca para a imunização em todo o mundo?

O produto continua sendo a melhor opção para países de baixa e média renda, por dois motivos principais: seu baixo custo (preço unitário da dose entre US$ 3 e US$ 4, cerca de R$ 17 a R$ 23, bem menos do que o preço de US$ 20 da Pfizer ou US$ 37 da Moderna, ou R$ 112 e R$ 214, respectivamente) e o seu armazenamento a temperaturas de 2º a 8ºC, de refrigerador comum.

Já foram aplicados pelo menos 20 milhões de doses da AstraZeneca no Reino Unido e União Europeia, e mais de 27 milhões na Índia da Covishield.

No Brasil, o governo federal prevê a entrega de 100,4 milhões de doses da vacina até o final do primeiro semestre e mais 100 milhões até o final do ano.