Fala de secretário sobre gestantes e variantes do coronavírus não encontra respaldo científico

Fala de secretário sobre gestantes e variantes do coronavírus não encontra respaldo científico

 

Considerando que as variantes do coronavírus surgiram em meados de novembro ou dezembro de 2020 e tiveram sua circulação bem estabelecida a partir de janeiro, é razoável pensar que os dados registrados nas 14 semanas epidemiológicas de 2021 provavelmente incluem os casos de infecções com as novas variantes.

No entanto, não é possível afirmar se a presença delas levou ao aumento de casos e óbitos por Srag nesse grupo.

Estudo publicado na última quarta-feira (14) com dados obtidos pelo jornal Folha de S.Paulo mostrou que houve um aumento no número de mortes maternas por Covid-19 nos três primeiros meses de 2021 em relação à média semanal do ano passado. Os dados apontam, no entanto, que o alto número de óbitos por Covid está associado, principalmente, com a desassistência materna. Já foi constatada uma mudança no perfil de internados por Covid-19 no país neste ano em relação ao ano passado, com a maior ocupação de UTIs por pacientes mais jovens, mas é difícil atribuir a mudança de perfil às variantes em circulação, embora muitos relatos de médicos e especialistas apontem para um possível período de infecção mais longo.

Além disso, embora haja um progresso constante para melhorar o sequenciamento genético no Brasil, cerca de 0,03% das amostras do vírus são sequenciadas.

Nesse sentido, a maior presença das gestantes e puérperas em hospitais com síndrome respiratória, confirmada por Covid ou não, pode estar associada a uma maior incidência geral da doença na população como um todo nesta segunda onda.

Um artigo publicado em fevereiro na revista Jama (Journal of the American Medical Association) cita estudo realizado pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA, o CDC, no qual foram avaliadas mais de 450 mil mulheres em idade reprodutiva com Covid-19 sintomática. O maior risco de hospitalização e morte por Covid em gestantes foi confirmado.

A pesquisa não fala sobre risco maior das variantes, mas faz um alerta para o fato de que o atraso na vacinação, em um contexto de surgimento de novas cepas, pode ser possivelmente perigoso para as mulheres grávidas.

Embora o conhecimento científico sobre a Covid-19 seja produzido a cada minuto, não há nenhuma evidência já estabelecida de maior letalidade das novas variantes.

Até o momento, foram reportadas seis variantes de preocupação do Sars-CoV-2 (ou VOCs, em inglês). São elas a B.1.1.7 (identificada no Reino Unido), B.1.351 (da Ãfrica do Sul), P.1 (a brasileira, ou de Manaus), outra brasileira, P.2 (origem no Rio de Janeiro) e duas nos Estados Unidos, a B.1.526 (Nova York) e a CAL.20C (com origem no sul da Califórnia).

Não há dados sobre letalidade para cinco das seis variantes. A única delas com dados descritos de letalidade é a britânica, que foi avaliada em um estudo feito por epidemiologistas britânicos como 64% mais letal. No entanto, uma pesquisa publicada na última segunda-feira (12) na revista The Lancet não encontrou associação dessa variante com maior taxa de hospitalização ou morte por Covid-19.

No Brasil, as variantes P.1 e P.2 predominam na população em diversos estados, onde conseguiram se espalhar de maneira mais rápida que a linhagem ancestral. Após o colapso em Manaus em janeiro, a P.1 foi associada a uma maior transmissibilidade, o que foi confirmado em um estudo recente na Science.

A mesma variante consegue escapar da proteção dada por anticorpos que se formam após a infecção pela forma original do vírus, mas não há ainda uma relação clara da P.1 com maior letalidade.

Isso porque, em muitos lugares onde ela se espalhou rapidamente, como a própria cidade de Manaus, e em Araraquara, no interior do estado de São Paulo, o sistema de saúde colapsou com a alta expressiva de novas internações. Com mais pessoas necessitando atendimento médico, houve escassez de oxigênio e, consequentemente, mais mortes.

Assim, não é possível estabelecer que a variante é mais letal ou causa infecção mais grave, mas ela, em conjunto com um sistema de saúde sob estresse e em uma população previamente infectada com a forma ancestral do vírus, que não garantia imunidade natural, gerou um problema de saúde agravado.

Para saber se há relação de causa e efeito de uma variante em relação ao aumento de mortes (letalidade) ou números de internações hospitalares (gravidade), é preciso conduzir um estudo controlado que avalie perfis idênticos de doentes, ou seja, de mesma idade, sexo, condições de saúde, período da infecção, resolução do caso (alta ou óbito) e a cada par avaliado, um apresentar a nova forma do vírus e o outro indivíduo a linhagem ancestral.

Foi assim que foi feito o estudo na Inglaterra, publicado na Lancet, com a inclusão de 341 pacientes –198 (58%) com a variante britânica B.1.1.7 e 143 (42%) com a forma ancestral. Para determinar qual variante está presente no organismo, os pesquisadores sequenciaram as amostras de material genético do vírus obtidas por meio do exame RT-PCR de diagnóstico para Covid-19.

No caso do Brasil, o número ainda baixo de amostras do coronavírus sequenciadas e a inconsistência dos dados de casos, óbitos e internações por Srag (base de dados Sivep-Gripe) e do e-SUS VE (casos leves de Covid sem informações detalhadas), que não permitem fazer comparações similares, dificultam a realização de um estudo similar.