Covid-19: a cientista "detetive" que acendeu alerta sobre riscos da hidroxicloroquina

A holandesa Elisabeth Bik tem se dedicado a uma tarefa peculiar no meio científico: ela passa horas diante de seu computador, analisando centenas de estudos, atenta a falhas (intencionais ou acidentais) como duplicações ou adulterações de imagens, plágio, conflitos de interesse nos dados apresentados ou incongruências nas evidências científicas.

(Foto: Reprodução)

A microbiologista virou uma especialista em “integridade científica”: na prática, isso consiste na análise (não remunerada) de milhares de estudos biomédicos, em busca de erros que possam comprometer seus resultados. Bik também tem um trabalho pago, de consultoria e palestras para universidades e centros de pesquisa, sobre como melhorar seus processos.

Faz pouco mais de um ano que Bik foi uma das cientistas a levantar preocupações sobre um estudo que ganharia proporções não previstas na época: trata-se da pesquisa do instituto médico francês IHU-Méditerranée Infection, em Marselha, publicada inicialmente em março de 2020 com a afirmação de que “a cloroquina e a hidroxicloroquina eram eficientes contra o SARS-CoV-2”, o vírus da covid-19.

Foi a partir desse estudo que esses remédios passaram a ser exaltados pelo então presidente americano Donald Trump, publicamente promovidos pelo presidente brasileiro Jair Bolsonaro, incorporados no criticado “tratamento precoce” contra a doença no Brasil, receitados preventivamente por alguns médicos daqui e até usados, em alguns casos, em nebulizadores – apesar de advertências de que ainda não foram encontrados benefícios concretos da cloroquina e, ao contrário, terem sido identificados significativos riscos colaterais dessa medicação. Hoje, o uso amplo do medicamento é um dos alvos da investigação da CPI da Covid, em curso no Senado.

Para Bik, foi a a politização do estudo inicial que fez com que ele ganhasse tanto alcance, apesar de seus resultados clínicos serem considerados insuficientes pela comunidade científica.

“Eu não estava contra o uso da hidroxicloroquina, apenas achei que o estudo do laboratório de Didier Raoult (um renomado epidemiologista francês e um dos principais autores da pesquisa) não havia sido bem executado, e era muito cedo para basear uma grande decisão apenas naquela pesquisa – era necessário haver mais evidências, e essas evidências nunca vieram”, diz Bik à BBC News Brasil.

“Mas rapidamente isso foi politizado, porque Trump endossou o estudo ao tuitar a respeito. Daí aconteceu que se você fosse republicano, basicamente tinha de ser a favor do estudo e se fosse democrata tinha de ser contra. O que é muito estranho – discussões sobre ciência não costumam pular para a política, mas nesse caso aconteceu. Virou algo grande: muitas pessoas passaram a defender o estudo. Mas os cientistas estavam em sua maioria vendo que o medicamento não era útil.”

Em setembro, Didier Raoult foi denunciado pela Sociedade de Patologia Infecciosa de Língua Francesa (SPILF) por “promoção indevida de medicamento”. Em janeiro deste ano, o médico admitiu numa carta ter excluído alguns voluntários do resultado da pesquisa (veja mais detalhes abaixo). Mas ele mantém a defesa de seu estudo original e da eficácia da hidroxicloroquina em parcela dos casos de covid-19.

Quanto a Elisabeth Bik, no dia em que conversou com a BBC News Brasil, a pesquisadora havia acabado de receber a notificação de que está sendo processada por difamação por Raoult, que em declarações públicas prévias a chamou de “maluca” e “caçadora de bruxas” por suas críticas.

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