WhatsApp impõe compartilhamento de dados com Facebook, mas tem exceção para a Europa

Aplicativo precisa dar opção 'opt-out' para usuários que não querem dividir informações com a rede social, que é dona do mensageiro, na União Europeia e no Reino...

WhatsApp impõe compartilhamento de dados com Facebook, mas tem exceção para a Europa
Aplicativo precisa dar opção 'opt-out' para usuários que não querem dividir informações com a rede social, que é dona do mensageiro, na União Europeia e no Reino Unido. Autoridades brasileiras pediram adiamento dos termos. WhatsApp terá nova política de privacidade a partir de 15 de maio.

REUTERS/Thomas White

A nova política de privacidade do WhatsApp, que prevê o compartilhamento de mais dados com o Facebook, dono do aplicativo, entra em vigor neste sábado (15).

A mudança, que é válida para usuários de todo o mundo, causou repercussão negativa desde que foi revelada, em janeiro.

Aplicativos concorrentes como o Telegram e o Signal foram baixados milhões de vezes desde que a notificação surgiu no WhatsApp e autoridades reguladoras de diversos países pediram esclarecimentos para a empresa.

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Após anunciar as mudanças no começo do ano, a companhia deu pouco mais de um mês para que as pessoas aceitassem os novos termos, que são obrigatórios – exceto na União Europeia e no Reino Unido, onde o WhatsApp segue a legislação que determina que as pessoas têm o direito de escolha.

Diante da resistência dos usuários ao redor do mundo, o aplicativo estendeu o prazo para maio, para que todos "tivessem mais tempo de entender a política".

Mesmo com o adiamento da vigência, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), o Ministério Público Federal (MPF) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) recomendaram, na última sexta-feira (7), que o app ampliasse essa data mais uma vez.

O Brasil é o segundo maior mercado do WhatsApp e praticamente metade da população brasileira utiliza o aplicativo: são 120 milhões de usuários, segundo a própria empresa.

O país só fica atrás da Índia, onde pelo menos 400 milhões de pessoas têm app instalado.

Risco de desrespeito à LGPD

Os órgãos brasileiros indicaram que os novos termos do WhatsApp poderiam representar violações aos direitos dos titulares de dados pessoais, que foram definidos pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), em vigor desde setembro passado.

Ao G1, Paulo Rená, professor de direito no Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), explicou que um dos problemas com a nova política do WhatsApp é o fato de os usuários não terem outra opção senão aceitar o compartilhamento de dados com o Facebook.

"Na LGPD, a pessoa poder dizer se aceita ou não cada um dos muitos tipos de tratamento dos dados. E o WhatsApp não está oferecendo isso", disse.

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A lei brasileira de proteção de dados prevê "aceites obrigatórios", mas em situações em que essa condição é imprescindível para o funcionamento de um serviço.

"Não há necessidade desse tratamento [de dados] pra que o aplicativo continue funcionando, é uma opção comercial da empresa. Deveria, portanto, ser uma opção live para os clientes", afirmou Rená.

O WhatsApp disse que "está em contato com as autoridades competentes e continuará prestando as informações necessárias sobre a atualização".

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Exceção na Europa

Quando o WhatsApp anunciou a primeira grande mudança nos termos de privacidade, em 2016, as pessoas de todo o mundo podiam negar a troca de dados com o Facebook.

No entanto, elas tiveram apenas 30 dias para aproveitar essa opção. Novas contas não podiam escolher.

Por outro lado, a opção de não autorizar o compartilhamento, também conhecida como "opt-out", foi mantida na Europa.

Na União Europeia e no Reino Unido, o WhatsApp segue um conjunto de regras diferente do restante do mundo, por causa da lei de proteção de dados local, a GDPR, que serviu como base para a criação da versão brasileira.

Flora Rebello Arduini, representante da ONG internacional Sum of Us, dedicada aos direitos dos consumidores, disse isso não foi conquistado "de graça".

"O exemplo europeu mostra que uma atuação contundente das autoridades faz com que as empresas respeitem os direitos dos cidadãos", disse Arduini.

"O Facebook trata os brasileiros como cidadãos de segunda classe, comparado como tratam os usuários europeus", afirmou, se referindo ao fato de o Brasil ter uma legislação de proteção de dados parecida com a da União Europeia, mas que, segundo ela, não está sendo respeitada.

Com exceção da Europa, os usuários de todo o mundo não tem a opção impedir o compartilhamento dos dados entre as empresas.

Outros países, como a Índia, estão discutindo regras como as que estão previstas nas legislações europeia e brasileira, mas elas ainda não foram aprovadas.

O G1 perguntou ao WhatsApp por que os usuários na União Europeia possuem opções diferentes, e o app disse que "está sujeito a leis e obrigações diferentes ao redor do mundo, incluindo a União Europeia".

"A empresa respeita as leis de todos os países em que atua e segue comprometida com a privacidade de seus usuários".

Preocupações com a concorrência

Além de indicarem possível desrespeito à lei de proteção de dados, as autoridades brasileiras demonstraram preocupação com aspectos concorrenciais da mudança no WhatsApp.

"Existe essa dominância de mercado. Com o compartilhamento de dados do WhatsApp com o Facebook a preocupação aumenta", disse Arduini.

"Isso é importante para a sociedade, porque são nossos direitos fundamentais. Nossa vida é regida pelos dados que fornecemos. As grandes empresas de tecnologia vivem e sobrevivem coletando informações, reutilizando ou vendendo [por meio de publicidade]", afirmou.

Os novos termos do aplicativo preveem que dados gerados em interações com contas comerciais, como as de lojas que atendem pelo WhatsApp, poderão ser utilizados pelas empresas para direcionar anúncios no Facebook e no Instagram – redes que pertencem à mesma companhia.

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"O Facebook não comprou o WhatsApp por US$ 22 bilhões à toa. Eles sabiam do potencial dessa plataforma e para recuperar esse dinheiro eles teriam que monetizar de alguma forma", afirmou Arduini, da ONG Sum of Us.

Recentemente, o aplicativo liberou a opção de transferir dinheiro entre os usuários por uma plataforma mediada pelo Facebook.

Repercussão no exterior

Mesmo com a opção de "opt-out" na Europa, as autoridades locais têm exigido mais transparência do Facebook e do WhatsApp sobre a nova política.

A autoridade de privacidade da Alemanha ordenou que o Facebook pare de coletar os dados de usuários do WhatsApp, segundo a agência Bloomberg. O regulador afirmou que a tentativa de as empresas fazerem com que os usuários aceitem os novos termos é ilegal.

No Reino Unido, o órgão de privacidade local enviou no começo do ano uma carta pedindo mais informações sobre a nova política. A Itália também pediu esclarecimentos.

A Índia solicitou, em janeiro, que o WhatsApp cancelasse os novos termos e, em março, abriu uma investigação, sob acusação de violações das leis de concorrência. A Turquia também investiga o WhatsApp por abuso de poder econômico.

"Não basta somente sinais e recomendações, precisamos garantir que as recomendações das autoridades sejam seguidas", disse Arduini.

"Não podemos tirar do nosso foco é que o compartilhamento de dados continua sendo ilegal, não deve ser realizado agora, nem nunca. Como estão fazendo e respeitando no continente europeu. Não tem o porquê os brasileiros terem esse compartilhamento feito", completou.

O que acontece se eu não aceitar os termos?

Na última sexta (7), o WhatsApp detalhou o que vai acontecer com as as contas que não derem o aval para a nova política de privacidade até o dia 15 de maio.

Segundo o aplicativo, nenhuma conta será apagada e o aplicativo vai continuar funcionando na data. Porém, aqueles que não tiverem concordado com os novos termos irão ver um lembrete com mais frequência e, com o tempo, irão deixar de ter acesso a funcionalidades.

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O aplicativo não detalhou em quanto tempo as restrições serão aplicadas.

"A ideia é pegar ou largar. Isso, definitivamente, não é liberdade e nesse aspecto está em desacordo com a LGPD", disse o professor de direito Paulo Rená.