'BBB' das redes: Lives no estilo 'reality show' fazem sucesso, mas podem mostrar demais

Transmissões da vida 'sem filtro' viram nicho lucrativo para influenciadores. Em app de lives, quase metade dos jovens diz que já pensou em transformar rotina em reality; veja

'BBB' das redes: Lives no estilo 'reality show' fazem sucesso, mas podem mostrar demais
Transmissões da vida 'sem filtro' viram nicho lucrativo para influenciadores. Em app de lives, quase metade dos jovens diz que já pensou em transformar rotina em reality; veja cuidados. Ewerton Junio (acima, à esq.) em transmissão durante o expediente de trabalho em pizzaria; o streamer Leonardo "Leox" (acima, à dir.), que esqueceu live ligada e se transmitiu por duas horas assistindo a filme; o ator Francisco Vitti em live lavando louça em casa e o usuário do TikTok Diego Henrique Silva, que faz lives dormindo

Reprodução/TikTok/Instagram/Twitch

O isolamento social da pandemia introduziu as lives na rotina de muitos. Mas alguns foram além: passaram a fazer da própria rotina um espetáculo ao vivo.

Transmissões de atividades do cotidiano, às vezes por horas a fio, se tornaram comuns, em uma espécie de "BBB" das redes sociais. Usuários se mostram comendo, trabalhando, assistindo a filmes e séries, cuidando da casa ou da aparência e até dormindo.

Por que as pessoas estão transmitindo suas horas de sono em lives nas redes sociais?

Uma pesquisa feita em maio no aplicativo de lives Yubo perguntou a mais de 2.300 jovens, entre 13 e 25 anos, se eles já consideraram transformar suas vidas em um reality show. Quase metade respondeu que sim.

A tendência da superexposição de crianças e adolescentes preocupa pais e especialistas (leia, mais abaixo, cuidados para mantê-los seguros ao fazer transmissões). Entre adultos, o nicho se mostra lucrativo para influenciadores.

Pizzaria ao vivo

Ewerton Junio, 20 anos, ganhou mais de 80 mil seguidores no TikTok desde dezembro do ano passado, exibindo diariamente e em tempo real seu expediente completo numa pizzaria em Pernambuco.

Durante seis horas por noite, o Pizzaiolo Louco (como ele é chamado na rede) girava os discos, assava e embalava as pizzas, enquanto dançava e batia papo com espectadores.

“No início, me atrapalhava todo. Ligava a live, ficava conversando no celular e esquecia a pizza no forno.”

“Depois, comecei a colocar música e dançar, até porque não podia ficar falando muito por estar trabalhando com alimentos. Foi aí que parei de queimar as pizzas.”

Ewerton Junio em transmissão ao vivo na pizzaria onde trabalhava, em Pernambuco

Reprodução/TikTok

Lives são a única forma de ganhar dinheiro diretamente com postagens no TikTok, já que espectadores têm a opção de doar “presentes” virtuais aos criadores. Esses itens podem ser trocados por quantias reais em dólar.

Com a cotação em alta, Ewerton diz que conseguiu acumular o equivalente a mais de R$ 6.000 com as noites de live. Ele parou de transmitir o expediente porque saiu do restaurante onde trabalhava, ao se mudar para a Paraíba. Agora, economiza para abrir sua própria pizzaria.

Fofoca e louça suja

Se, no início da quarentena, celebridades se mantiveram em alta com lives artísticas, educativas e de debate, hoje, algumas também surfam no formato mais íntimo.

O ator Francisco Vitti, 23, cresceu no Instagram e chegou ao primeiro milhão de seguidores compartilhando uma vida sem filtro.

Regularmente, mostra o quanto é “esculhambado” nas mensagens privadas que recebe e, desde o ano passado, faz lives lavando louça e “fofocando” com amigos e fãs.

“Eu deixo acumular louça na pia, abro a live, fico vendo quem vai entrando e vou convidando meus amigos próximos, até pra me sentir mais seguro porque, não parece, mas sou muito tímido pra conversar com quem não conheço”, explica.

“Pra mim é ótimo porque a louça não fica suja e, como moro sozinho, acaba sendo uma companhia.”

O ator Francisco Vitti compartilha 'vida sem filtro' no Instagram

Reprodução/Instagram

Vitti diz que, agora, tem recebido pedidos para fazer lives lavando o banheiro. Ele está pensando na possibilidade, mas deixa claro que sua vida real vai além das atividades que compartilha no Instagram.

"A gente sabe que o Instagram é uma mentira. Pouco se vê da vida de verdade das pessoas, e isso inclui as lives também. Muita gente idealiza o que assiste."

Jovens são mais abertos

Na pesquisa feita pelo app Yubo, 42% dos jovens disseram acreditar que a vida real é similar à aquela exposta por eles nas redes sociais.

O serviço francês, que promete aproximar pessoas através de transmissões ao vivo, é uma das ferramentas que se fortaleceram com a popularização recente das lives. A empresa afirma que o tempo gasto por usuários nesse tipo de postagem aumentou 550% desde o início da pandemia.

No app Yubo, focado em lives, tempo gasto por usuários nas transmissões aumentou 550% na pandemia

Divulgação

Com 2,5 milhões de inscritos no Brasil, o aplicativo permite criar "salas" ao vivo com até 10 pessoas, que podem ser contatos próximos ou desconhecidos de qualquer parte do mundo. É possível navegar pelas páginas em busca de transmissões para assistir ou participar.

O foco principal são jovens da geração Z (nascidos a partir da segunda metade dos anos 1990), o grupo mais aberto a compartilhar sua rotina em tempo real, na opinião do CEO do Yubo, Sacha Lazimi.

"A transmissão ao vivo está se tornando parte do dia-a-dia de muitos adolescentes. É uma forma de mostrar os talentos na internet, mas não só isso. Também faz parte do hábito de permanecer conectado durante a maior parte do dia, nas atividades do cotidiano, e se divertir com pessoas com pensamentos parecidos", avalia Lazimi.

Como proteger os filhos?

Um guia elaborado pela organização britânica Internet Matters, que ajuda pais a manter os filhos seguros on-line, aponta que o hábito citado pelo empresário demanda cuidados para não se tornar perigoso.

A entidade cita riscos relacionados a ação de criminosos on-line, ao impacto na autoestima, gerado pelas reações imediatas dos espectadores em lives, e ao compartilhamento de cenas íntimas ou privadas nos vídeos, propositalmente ou não.

No ano passado, o streamer de jogos Leonardo "Leox" Azevedo esqueceu uma live ligada no aplicativo Twitch e se transmitiu, por quase duas horas, assistindo a um filme, sem perceber que estava ao vivo. Quando se deu conta, tinha mais de 12 mil espectadores.

Em 2017, ficou famoso o caso de um bebê de dois anos, que transmitiu um banho da mãe ao brincar com um celular. "Eu não sabia se chorava ou se saía correndo", contou Viviane Souza, na época. "Não tive coragem de ver o vídeo porque estava com vergonha de mim mesma.”

Para tornar a atividade mais segura para os mais jovens, a Internet Matters dá a pais e responsáveis as recomendações abaixo:

Incentivar as crianças e adolescentes a fazerem lives ou se gravarem em locais públicos, para limitar as informações pessoais que compartilham;

Supervisionar crianças mais jovens para garantir que um adulto possa intervir, se necessário;

Analisar em conjunto as configurações de privacidade nas redes sociais, para que seja possível ter o controle de quem pode ver os vídeos;

Ter conversas regulares sobre os riscos potenciais de compartilhar algo que eles podem se arrepender;

Garantir que eles saibam onde e como buscar apoio se algo der errado.

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