População LGBTQIA+ vê risco de estigma com surto de varíola dos macacos

O gerente administrativo Pedro Martins, 25, vê com desconfiança as orientações da OMS e cobra que as mesmas também sejam destinadas à população heterossexual.

Martins afirma que foi sempre cuidadoso e nada mudou em sua vida sexual. “Novamente, tratam uma doença como peste gay, como fizeram na década de 80. Por que só nós [homens LGBTQIA+] precisamos diminuir nossos parceiros sexuais? E as orientações para os héteros? Isso é um erro, todo mundo faz sexo”, diz.

À reportagem, outros dois homens que declaram ter relações sexuais com outros homens compartilham da opinião sobre a doença estar sendo rotulada. Eles afirmam que continuam tendo vários parceiros, além de frequentar baladas e “darkrooms” (ambiente escuro onde frequentadores fazem sexo), mas têm conversado sobre a doença antes de se relacionarem.

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Ao contrário da Aids, a varíola dos macacos não é sexualmente transmissível. A sua principal forma de propagação é o contato pele a pele com as vesículas que o doente apresenta. Como no sexo o contato íntimo é mais recorrente, a transmissão é mais fácil de acontecer.

Oficial para Comunidades, Gênero e Direitos Humanos do Unaids Brasil, Ariadne Ribeiro diz que a pandemia de Aids traz uma forte lição da importância de não estigmatizar pessoas ou grupos sociais pela vulnerabilidade que possam ter, inicialmente, a determinado surto epidêmico.

“Quando os primeiros casos de Aids surgiram, havia ainda pouco conhecimento sobre sua forma de propagação, o que gerou uma abordagem equivocada voltada para os grupos de risco. Essa abordagem não apenas estigmatizou esses grupos, como passou a ilusão de que o restante da sociedade não seria afetada, uma mentira fácil de aceitar”, declara Ribeiro.

A representante do Unaids ressalta que, no caso da varíola dos macacos, existe uma atenção para o risco de estigmatização, além de uma sociedade civil muito mobilizada para evitar que os mesmos equívocos do passado se repitam.

Jamal Suleiman diz ver muitas semelhanças entre o tratamento dado, em seus primórdios, ao HIV e o hoje dado ao monkeypox, vírus causador da varíola dos macacos.

“É fácil culpar os mais vulneráveis, um erro que não podemos permitir que se repita. O preço é muito alto para tirar esse estigma depois”, acrescenta o infectologista.

Como o Unaids, ele afirma que apenas uma comunicação assertiva sobre prevenção pode funcionar no combate à doença.

“O vírus não escolhe uma comunidade, ele escolhe comportamento. Não dá para tapar o sol com a peneira, temos que falar sobre e para quem, hoje, é mais vulnerável. Mas é importante ressaltar que comportamentos não podem ser criminalizados, ninguém é fiscal de moral. É uma questão de saúde, não de julgamento.”

O médico do Instituto Emílio Ribas atendeu durante a epidemia de HIV/Aids e atualmente cuida de pacientes com varíola dos macacos. “É uma doença chata, dolorida e limitante.”

Gay, o estudante Lucas Vasquez, 24, confia na maneira como o progresso da doença tem sido retratado e nas orientações da OMS.

“Acho desproporcional a reação da comunidade LGBTQIA+. É como se fosse mentira que uma parte dela é inconsequente. Não se deve defender o direito à contaminação. Acredito que a OMS só queria entender como as coisas estão acontecendo”, diz Vasquez. Apesar disso, ele afirma que nada mudou em sua vida sexual, que considera moderada.

Com o avanço da contaminação em todo o mundo, o Grindr, plataforma de paquera voltada à população LGBTQIA+ masculina, tem alertado seus usuários para os riscos do contato físico na propagação do monkeypox.

Segundo o portal Our World in Data, da Universidade de Oxford, até a última sexta-feira (5), foram confirmados 27.562 casos de varíola dos macacos em 83 países, além de nove mortes. No Brasil, o Ministério da Saúde confirmou 1.369 casos até a última segunda-feira (1º). Cerca de 75% dos infectados estão em São Paulo, onde uma pessoa morreu.