Quando haverá vacina?

Quando haverá vacina?

Imunizar a quantidade de pessoas necessária para deter a devastação da atual pandemia é um desafio comparável à conquista da Lua ou à produção da bomba atômica Jennifer Haller foi a primeira pessoa a receber uma dose de uma das candidatas a vacina contra coronavírus nos EUA

Ted S. Warren/AP

Só há três cenários possíveis para o desfecho da pandemia de Covid-19:

As quarentenas detêm a primeira onda da doença, em seguida medidas de contenção nos moldes das adotadas em Taiwan ou na Coreia do Sul funcionam para debelar as novas investidas do vírus;

Uma quantidade suficiente de pessoas – estimada em 60% da população –contrai a doença, fica imune e garante que novas ondas não ganharão proporções epidêmicas. Nesse cenário, de imunidade coletiva, morrerão milhões de infectados – e o vírus terá vencido;

É possível atingir a imunidade de coletiva de outro modo, por meio de uma vacina. Nesse cenário, milhões de vidas serão poupadas – e nós teremos vencido.

Enquanto todos se concentram na batalha mais urgente descrita no primeiro cenário, a verdadeira vitória só virá com uma vacina. Até lá, persistirá o medo e, mesmo que consigamos deter a primeira onda da pandemia, é certo que outras virão e que nem todos países terão a eficiência sul-coreana para evitar repetir o ciclo de quarentenas e consequente paralisia econômica.

Quanto tempo precisamos esperar até a vacina? O que ainda é preciso fazer para alcançá-la? Existe algo que possa acelerar a jornada até esse destino? Existe garantia de que haverá mesmo vacina para o Sars-CoV2, o novo coronavírus causador da Covid-19?

As respostas a todas essas questões ainda não estão claras, mas há motivos para otimismo. Ainda assim, a perspectiva de haver em 18 meses uma vacina capaz de ser aplicada em escala global não passa de uma esperança. Impossível garantir que seja cumprida.

O desenvolvimento normal de uma vacina costuma levar em torno de dez anos. É uma área mais arriscada, que costuma trazer pouca receita à indústria farmacêutica e precisa de apoio de governos e organizações globais para caminhar. Certos vírus até hoje frustram todas as pesquisas, como os causadores da Aids e da Hepatite C.

O novo coronavírus, contudo, tem várias características que alimentam o otimismo. Trata-se de um vírus de uma categoria bastante conhecida. Dois de seus parentes próximos, com que partilha quase 90% dos genes, foram objeto de tentativas recentes de desenvolvimento de vacinas: os coronavírus causadores da Síndrome de Respiratória Aguda Grave (Sars) e da Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers). Só foram interrompidas porque ambas as epidemias foram contidas.

Há, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), pelo menos 52 candidatos a vacina sob investigação científica, usando diferentes tipos de tecnologia. Do momento em que cientistas chineses publicaram a sequência genética do Sars-CoV2 até a primeira injeção de um desses candidatos ser aplicada no braço de uma voluntária, no último dia 16 de março, se passaram apenas 63 dias.

O recorde, impensável poucos anos atrás, só foi possível porque o imunologista responsável pela façanha, Barney Graham, pôde aproveitar resultados obtidos numa tentativa de fabricar uma vacina para Mers em 2015 e a experiência no trabalho com outros vírus. Em particular, o da Zika, para o qual o próprio Graham desenvolvera em 2016 uma vacina também em tempo recorde para a época (190 dias).

A vacina de Graham, da empresa Moderna, usa uma tecnologia jamais aprovada para uso final, conhecida como "RNA-mensageiro". Ela induz células humanas a produzir uma proteína do vírus para despertar a reação de imunidade – no caso, a proteína dos espigões em forma de coroa que caracterizam e dão nome aos coronavírus.

A vantagem dessa vacina é que, de acordo com cientistas, a produção de uns poucos gramas bastaria para imunizar milhões de pessoas. A desvantagem é que não há capacidade industrial nem de distribuição instalada para lidar com a necessidade urgente imposta pela pandemia. É por isso que outras tentativas se concentram em tecnologias já em uso. É o caso da única outra vacina também já em testes com humanos, elaborada pela empresa chinesa CanSino.

A principal organização que financia o desenvolvimento de vacinas, a Coalizão para Inovações para o Preparo Epidêmico (Cepi), investiu US$ 30 milhões na Moderna e em sete outros projetos. O plano é que pelo menos três deles cheguem aos testes clínicos em humanos, fase mais cara e mais arriscada do desenvolvimento. Esses testes se dão em três etapas. Na primeira, a vacina é aplicada em poucos voluntários para avaliar efeitos adversos. Na segunda, a centenas para avaliar a eficácia. Na última, a milhares, para garantir que funciona em larga escala.

A Moderna avalia que o prazo mais curto para chegar à última etapa dos testes é janeiro de 2021. Isso se não houver nenhum imprevisto no caminho – e imprevistos são frequentes no ramo. Uma vacina promissora contra um vírus respiratório testada nos anos 1960 resultou em problemas que agravavam a doença e foram ligados à morte de duas crianças (só em 2013 Graham conseguiu decifrar por quê – e elaborou outra vacina segura).

Mesmo que uma vacina consiga, já nos primeiros meses do ano que vem, superar todas as fases de testes até a aprovação, isso não significa que já estará disponível para ser aplicada. Será preciso ter linhas de produção e distribuição em todo o planeta, algo que demanda ainda mais tempo e recursos. O custo estimado para os diversos projetos em andamento gira em torno de US$ 2 bilhões, bem menos que os US$ 300 milhões de que a Cepi dispõe para investir em pesquisas e fábricas.

"Se jamais houve um caso para o desenvolvimento global coordenado de uma vacina, é agora", escreveu em artigo na revista Science Seth Berkley, presidente da Aliança por Vacinas (Gavi), organização que incentiva iniciativas globais de imunização. "Trabalhar com os reguladores desde cedo aumentará a chance de aprovações rápidas. Uma vez aprovada uma vacina, um esforço coordenado garantirá que quantidades suficientes estejam disponíveis para todos que precisam." Ele compara tal esforço aos projetos Manhattan (que fez a primeira bomba atômica) ou Apollo (que levou o ser humano à Lua).

Se o novo coronavírus se tornar endêmico e sazonal, como a gripe, vacinas ajudarão a salvar milhões de vidas. Mas será um desafio imenso obter uma vacina segura a tempo de deter a atual pandemia. Não custa lembrar que, no caso do novo coronavírus, será necessário vacinar algo como 60% da população para garantir o nível de imunidade coletiva necessário para que a doença deixe de exercer pressão sobre o sistema de saúde. Poucos acreditam que uma vacina chegue lá antes que o vírus consiga isso sozinho, matando milhões no caminho.