"Eu e minha filha de 17 anos fomos internadas com covid-19. Sou hipertensa e sobrevivi. Ela era saudável e morreu"

 

Mãe e filha foram internadas em um posto de saúde em Xerém, distrito de Duque de Caxias, em 23 de março, após apresentarem quadro suspeito de covid-19. Na unidade de saúde, permaneceram isoladas juntas. Dois dias depois foram encaminhadas para o Hospital Moacyr do Carmo, na mesma cidade.

Germaine, que faz parte do grupo de risco por ser hipertensa, se recuperou dias depois e recebeu alta. Kamilly, que não tinha nenhuma doença pré-existente e não se enquadrava entre os pacientes de risco, apresentou complicações graves e não resistiu.

"A minha filha era totalmente saudável, nunca ficava doente. Desde o princípio, sempre achava que ela fosse se recuperar. Nunca pensei que ela seria vítima desse vírus", diz Germaine à BBC News Brasil.

Kamilly fez parte de um grupo pequeno em meio à pandemia do novo coronavírus: o de jovens saudáveis com complicações graves em decorrência da covid-19.

Estudos apontam que os pacientes sem comorbidades e com menos de 50 anos correspondem a menos de 1% das pessoas em estado grave em decorrência do Sars-Cov-2, nome oficial do novo coronavírus. Quanto mais jovem, menos chances de apresentar complicações.

"Os médicos ficaram surpresos com o caso da minha filha. Não sabiam mais o que fazer, porque ela não tinha nenhum problema de saúde antes. Infelizmente, é algo difícil de entender", declara Germaine.

Os casos mais graves comumente acometem pessoas idosas ou com doenças pré-existentes, como hipertensão, diabetes, cardiopatias, entre outras.

Histórias como a de Kamilly, segundo estudos ainda incipientes, podem ser explicadas por particularidades genéticas que influenciam o modo como o coronavírus afeta o organismo do paciente.

"O nosso sistema imunológico é o responsável por definir se vamos responder bem ou não ao Sars-Cov-2. Geralmente, esse sistema está afetado em pessoas com comorbidades ou idosas, por isso estão nos grupos de risco. Mas em alguns casos raros, o sistema imunológico tem uma falha pontual crítica mesmo sem comorbidades conhecidas e, por isso, a pessoa acaba desenvolvendo um quadro grave ou até morrendo em decorrência do coronavírus", diz o médico infectologista Alexandre Naime, chefe de Infectologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu (SP).

Os sintomas iniciais

No início de março, Germaine acompanhava diariamente o pai, de 71 anos, em um hospital público da Baixada Fluminense. O idoso havia sofrido um Acidente Vascular Cerebral (AVC) e estava internado. "A minha mãe também é idosa e meu irmão não mora no Rio de Janeiro. Então, eu era a única pessoa que poderia acompanhá-lo", diz a dona de casa.

Kamilly ficava em casa para cuidar do irmão mais novo, de três anos. A jovem também passava parte dos dias se dedicando aos estudos e sonhava em cursar Medicina.

Por volta do fim da segunda semana de março, Germaine começou a apresentar problemas de saúde. "Tive arrepios pelo corpo, tremedeira, calafrios e febre", diz. Ela foi a uma unidade de saúde da região, passou por exames e foi diagnosticada com pneumonia. "Disseram que não era coronavírus e sequer fizeram testes. Como ainda era algo novo, eu não tinha muita informação sobre o assunto e fui para casa", detalha.

O primeiro caso do novo coronavírus em Duque de Caxias foi confirmado em 23 de março. Hoje, o município tem o segundo maior número de mortos no Rio de Janeiro, atrás apenas da capital. Até o momento, são mais de 185 óbitos por covid-19 na cidade.

Enquanto tomava os medicamentos para a suposta pneumonia, Germaine ficou de repouso em casa. Kamilly ajudava a mãe o dia inteiro. A adolescente reclamava de dores nas costas, mas não demonstrava preocupação com o problema. "Depois, ela começou a tossir e teve muita febre. Com o passar dos dias, a situação foi piorando. Demos medicamentos para gripe para ela, mas nada melhorava", relata a dona de casa.

Em 23 de março, Kamilly foi a um posto de saúde junto com o pai, o barbeiro José Antônio dos Santos. Na unidade, passou por raio-X, que mostrou que o pulmão dela estava comprometido e tinha aspecto semelhante ao de pacientes com a covid-19. Os médicos logo pediram que a jovem fosse isolada e permanecesse no hospital. Germaine, que estava em casa, foi ao hospital para levar roupas para a filha e a equipe médica também a examinou — o marido dela e o filho caçula não apresentaram sintomas.

"Quando viram meu pulmão, notaram que estava comprometido como o dela. Nós duas fomos colocadas em um quarto em isolamento", relata.

A dona de casa critica o atendimento que recebeu nos primeiros dias. "Parecia que tinham medo de ficar perto da gente, mesmo com os equipamentos de proteção. Nós chamávamos e ninguém nos atendia. Deveriam ter mais empatia."

Posteriormente, mãe e filha foram levadas para o Hospital Moacyr do Carmo, onde permaneceram isoladas. As duas receberam o mesmo tratamento, que incluiu cloroquina.

Eleitora de Jair Bolsonaro, Germaine afirma não ter opinião formada sobre a decisão do presidente em determinar que o Ministério da Saúde oriente o uso da cloroquina em pacientes com a covid-19. "Não sou médica, nem pesquisadora, então não posso dizer. Quem precisa definir isso são os cientistas. Apesar de ter votado no Bolsonaro, há muitas coisas que ele diz e eu não concordo", declara.

"Mas não gosto quando dizem que minha filha morreu mesmo usando cloroquina. Eu também usei e sobrevivi. Não dá para falar que foi o medicamento que me salvou, nem que a prejudicou. Penso que devemos seguir o que dizem os estudiosos da área", diz Germaine.

Recentemente, a Organização Mundial de Saúde (OMS) suspendeu os estudos com a cloroquina em pacientes com a covid-19, após diversas pesquisas apontarem riscos no uso do medicamento. Apesar disso, o Ministério da Saúde informou que continuará recomendando o remédio, ao menos por enquanto.

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