Jovem do RS é resgatado por PM em SP após largar tudo por "amor virtual"

Jovem do RS é resgatado por PM em SP após largar tudo por

 

O menino que tinha Porto Alegre como referência de cidade grande, a capital de seu estado e onde nasceu, mal sabia que a viagem duraria pouco mais de 20 horas e o levaria para a maior cidade da América Latina.

Sem avisar ninguém em casa, o jovem deixou Gravataí na manhã do último sábado (7) e seguiu, de ônibus, para finalmente ver o amor de sua vida.

O garoto vive na casa da madrinha Jocelaine dos Santos Domingues, 35, na periferia de Gravataí. Ele perdeu a mãe quando ainda era criança e nunca conheceu o pai.

A dona de casa, que trabalhava como diarista antes da pandemia, hoje vive com o salário-mínimo da pensão que recebe do marido, morto há dois anos. A única fonte de renda da casa sustenta os quatro filhos de Jocelaine e o afilhado Matheus.

Naquela manhã de sábado, Jocelaine diz que passou um café no coador e chamou Matheus. Mas ele já não estava lá. “Pensei que tivesse saído para fazer algum trabalho”, afirma.

Mas as horas foram passando, e só no final do dia Matheus deu sinal de seu paradeiro para a “dinda”: “Tô na estrada indo para São Paulo.”

“Eu li aquela mensagem e meu coração começou a palpitar”, recorda a dona de casa. “Não sabia o motivo e nem o que ele estava fazendo.”

Matheus havia combinado que aguardaria Luana em um banco próximo do desembarque. Nas últimas mensagens trocadas, a menina falou que estaria lá com o pai.

Branca, magra e ruiva, Luana disse ter 16 anos. Atraído pela beleza e pelo papo da adolescente, Matheus sentiu que a proposta da amada o manteria financeiramente longe de casa. “Ela disse que eu moraria na casa dela e trabalharia num mercado onde o meu sogro também trabalha”, diz o jovem.

Tudo estava perfeito.

Mas, ao desembarcar, Matheus olhou a sua volta e não viu a amada, nem o sogro. O atraso seria normal, até porque “o trânsito da cidade grande não é o mesmo que o de Gravataí”.

As horas foram avançando, e Matheus começou a se desesperar. Luana era a única pessoa que ele conhecia, e ela não respondia suas mensagens.

Segundo Matheus, a troca de mensagens ocorria apenas por rede social –ela nunca quis passar o celular.

Na rodoviária, ele cochilou em um banco e passou a pedir comida para os viajantes. Ali, sozinho, o garoto não acreditava no que estava acontecendo.

“Só fiz isso porque estava muito apaixonado por ela”, repetia ele.

Já sem esperança de que a amada apareceria, resolveu acionar seu contato de confiança, alguém que não zombaria dele.

Na agenda de seu celular, a pessoa que o resgataria era o soldado Ávila, integrante há nove anos da Brigada Militar, a Polícia Militar gaúcha.

Ávila é um dos sobrenomes de Diogo, que conheceu Matheus com 11 anos, quando deu aulas para o garoto.

Matheus fez parte de uma turma do Proerd (Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência), uma iniciativa das polícias militares do Brasil para ensinar crianças e adolescentes noções sobre cidadania e prevenção às drogas.

O soldado diz que, nas últimas aulas, as crianças aprendem a identificar as pessoas que fazem parte do círculo de confiança delas. “Lá estão os pais, os amigos, os irmãos, a polícia e os bombeiros.”

“Acho que ele se lembrou disso”, afirma o PM. Tanto se lembrou como, desde o curso do Proerd, Ávila virou uma referência para Matheus. “Ele me procurou há um mês para saber como faria o alistamento militar.”

“Passei meu contato para na ocasião e ele acabou se sentindo à vontade para eu ajudá-lo”, diz o PM.

E foi o que aconteceu. “Ávila, eu estou precisando de ajuda. Estou em São Paulo para ver a minha namorada, mas ela não apareceu até agora. Não tenho mais dinheiro. Estou só”, relembra o soldado sobre o pedido de socorro. Ávila, então, acionou os policiais que integram a rede do Proerd.

Matheus já estava havia dois dias comendo às custas de doações.

Em um esforço conjunto, PMs de São Paulo e do Rio Grande do Sul fizeram uma vaquinha de R$ 500 para comprar a passagem de volta e garantir a alimentação do menino no trajeto.

Matheus entrou no ônibus para Porto Alegre no final da noite de terça (9). Diz ter “consumido o cérebro” na longa viagem para entender o que havia acontecido.

Ao desembarcar na noite desta quarta (10) na capital gaúcha, foi recebido por Ávila com um abraço. O menino chorou. O soldado o levou até a casa de Jocelaine, que ficou aliviada ao rever o afilhado.

À reportagem, o garoto diz que, após muito pensar, tem a certeza de que caiu em um golpe. Mas, por sorte, conseguiu um outro desfecho. “Eu poderia ter morrido nessa brincadeira”, diz.

“É o que a gente fala: na pandemia, os contatos a distância aumentaram e, os golpes, também. Os pais precisam reforçar a vigilância sobre seus filhos, ainda mais em trocas de mensagens feitas na internet”, afirma o tenente-coronel Cilon Freitas da Silva, coordenador do Proerd no Rio Grande do Sul.

Já Matheus diz que aprendeu a lição. Bloqueou o perfil da suposta Luana no Facebook e quer seguir a vida. “Vou terminar meus estudos e entrar na Brigada Militar.”