Médica do RS que aplicou nebulização de cloroquina em pacientes em UTI será investigada

Médica do RS que aplicou nebulização de cloroquina em pacientes em UTI será investigada

 

“A profissional em questão tinha um histórico de muitas dificuldades no trato pessoal com a equipe. As ameaças eram frequentes”, justificou o assessor jurídico do Hospital Nossa Senhora Aparecida, Maurício Rodrigues.

No dia 17, diante das denúncias, a instituição pediu à Promed que excluísse Scherer da escala de plantões. A Promed confirmou que a médica foi substituída a pedido do hospital e que a situação de Eliane Scherer junto à empresa continua inalterada.

Enfermeiros e auxiliares de enfermagem relataram que foram pressionados pela médica a aplicar as nebulizações com hidroxicloroquina, mas se negaram dizendo que não há indicação para o uso do medicamento dessa forma.

Além disso, a médica não fazia a prescrição para o uso do fármaco, o que também é ilegal.

A cloroquina e a hidroxicloroquina não têm eficácia comprovada para o tratamento da Covid-19. O caso foi denunciado por dois profissionais de enfermagem e por uma auxiliar.

O caso ganhou repercussão depois que um vereador da cidade de Dom Feliciano, a 45 quilômetros de Camaquã, disse ter se curado da doença ao usar o método proposto por Scherer.

Dalvi Soares de Freitas (PSB) disse que estava com metade do pulmão comprometido e que só melhorou após inalar a solução de cloroquina com soro fisológico. A própria médica, segundo ele, aplicou a nebulização, diante da recusa dos integrantes de equipe que o atendiam no hospital.

O tratamento experimental e sem comprovação científica foi exaltado pelo presidente Jair Bolsonaro na sua live da última quinta-feira (18). Na sexta-feira (19), o presidente falou a uma rádio local criticando o hospital por ter pedido o desligamento da médica.

“Os médicos têm o direito, ou o dever, no momento em que falta medicamento específico para aquilo, com comprovação científica, ele pode usar o que chama de off label, fora da bula. Mas no Brasil virou um tabu, praticamente é criminoso quem fala disso”, afirmou à rádio.

Bolsonaro voltou a bater na tecla de que, para salvar vidas, vale qualquer coisa. “Sabemos que a vacina é um custo bilionário para o mundo todo. E parece que grupos interessados em investir apenas na vacina é que deixam de lado a questão do tratamento preventivo que existe e também o tratamento logo após a contração da doença”, disse.

A médica disse que não inventou a prescrição da hidroxicloroquina inalável e que a técnica consta da literatura médica. “É para o bem dos pacientes. Não ganho nada com isso, cada cápsula custa muito barato para o tratamento”, disse. Scherer é dona de um centro de ecografia em Camaquã.

No fim de semana, uma campanha nas redes sociais pediu a reintegração da médica e acusou o Hospital Nossa Senhora Aparecida de estar adotando “protocolos de morte” da população.

O Conselho Regional de Enfermagem do Rio Grande do Sul (Coren/RS) disse que os profissionais que se recusaram a seguir as orientações da médica adotaram um procedimento correto. “Além da prescrição não ter sido documentada pela médica, o fármaco não era do hospital. A conduta dela foi totalmente irregular”, disse a presidente do Coren, Rosângela Schneider.

“Aos profissionais de enfermagem, mais que um direito, é um dever recusar-se a executar prescrição de enfermagem e médica em caso de identificação de erro e/ou ilegibilidade”, defendeu o Conselho em nota divulgada nesta segunda-feira. O procedimento está previsto no artigo 46 do Código de Ética da profissão – Resolução Cofen nº 564/2017.

“Também é um dever posicionar-se contra, e denunciar aos órgãos competentes, ações e procedimentos de membros da equipe de saúde quando houver risco de danos decorrentes de imperícia, negligência e imprudência aos pacientes, visando a proteção da pessoa, da família e da coletividade”, prosseguiu a nota.

Pelo menos duas famílias de Camaquã recorreram à Justiça para garantir o tratamento proposto pela médica. O juiz Luís Otávio Braga Schuch, da 1ª Vara Cível de Camaquã, concedeu liminar nesta segunda-feira aos pedidos, mas fez a ressalva de que Scherer deveria “assumir a responsabilidade pelo tratamento integral do paciente”.

Além disso, o hospital deveria “proceder a cientificação do paciente e/ou seus familiares de que o tratamento em questão é experimental e não atende os protocolos atuais para Covid-19”.