Vacinas contra covid-19 só chegarão para todo mundo no fim de 2023, calcula microbiologista

  • André Biernath
  • Da BBC News Brasil em São Paulo

O microbiologista John McConnell tem um privilégio único: ler em primeiríssima mão os estudos que avaliam a segurança e a eficácia das vacinas contra a covid-19.

O cientista é editor-chefe da The Lancet Infectious Diseases, revista científica que publicou as mais importantes pesquisas sobre a pandemia e os imunizantes nos últimos meses.

Ele é responsável por receber os manuscritos originais, enviados por laboratórios e especialistas de várias partes do mundo, e encaminhá-los para o time de editores independentes, que faz a revisão e a análise do conteúdo antes da divulgação.

Imagem Pixabay

Formado em microbiologia clínica e parasitologia pela Universidade East London, na Inglaterra, McConnell atua na The Lancet desde 1990.

Numa entrevista à BBC News Brasil feita por e-mail, McConnell avaliou o atual ritmo de vacinação no mundo e destacou que o fim da pandemia está necessariamente vinculado às ações globais.

“Acredito que nós conseguiremos sair juntos dessa pandemia, desde que não percamos o foco. Só assim faremos que a luz no fim do túnel não seja destinada apenas para ricos e afortunados, mas para todos”, disse.

Sobre a situação particular do Brasil, o microbiologista entende que nosso país precisa aliar duas estratégias: acelerar a imunização e promover as medidas preventivas.

“As duas ações precisam andar de mãos dadas. Depender inteiramente da vacina significa que o progresso será lento. Precisamos proteger as pessoas por meio de intervenções não farmacológicas, dando-as a oportunidade de serem vacinadas no futuro”, analisou.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista para a BBC

O microbiologista John McConnell recebe, em primeira mão, os artigos científicos mais importantes sobre a covid-19 e as vacinas – Divulgação

BBC News Brasil – Num feito inédito, a humanidade conseguiu desenvolver, testar e aprovar várias vacinas contra uma mesma doença em pouco menos de um ano. Como o senhor avalia esse progresso?

John McConnell – Acho que é o culminar de muitos anos de trabalho no desenvolvimento das tecnologias, o que nos permitiu gerar vários tipos diferentes de vacinas, que agora estão sendo aplicadas em bilhões de pessoas.

Uma dessas tecnologias, que usa vírus inativados, já existe há um século ou mais. A tecnologia que utiliza as chamadas subunidades proteicas é aplicada às vacinas contra a hepatite B, por exemplo, há muitos anos.

E mesmo as vacinas de vetores virais, como as de Johnson & Johnson e AstraZeneca/Oxford, se valem de uma tecnologia que vem sendo usada em ensaios clínicos há cerca de 20 anos, principalmente em três imunizantes licenciados contra o ebola.

E, embora se acredite amplamente que as vacinas de mRNA, como as de Pfizer/BioNTech e Moderna, são novas e essa é a primeira vez em que se utiliza tal tecnologia, a verdade é que o trabalho de desenvolvimento de produtos semelhantes está em andamento por quase 30 anos.

Antes da covid-19, havia vacinas em testes clínicos usando a tecnologia de mRNA contra doenças como aids, zika e raiva, por exemplo.

Portanto, embora as vacinas de Pfizer/BioNTech e Moderna sejam as primeiras a usar essa tecnologia em uma escala muito grande em seres humanos, elas se baseiam em um conhecimento existente e bem testado.

Então, de certa forma, tivemos sorte que a pandemia surgiu em um momento em que temos algumas formas muito bem estabelecidas de produzir vacinas, bem como um conjunto de novas tecnologias, para as quais havia um pouco de experiência clínica.

BBC News Brasil – Como o senhor mesmo mencionou, temos diversas plataformas tecnológicas bem-sucedidas neste momento. Qual a importância dessa variedade nos tipos de imunizantes?

McConnell – Nunca foi garantido que uma determinada tecnologia funcionaria, então acho que era muito importante ter uma gama de tentativas diferentes, mesmo que, quando aplicadas na vida real, elas sejam comparáveis ??em relação à eficácia.

É importante ter vacinas que possam ser distribuídas de diferentes maneiras. Por exemplo, as vacinas de Pfizer/BioNtech e Moderna precisam de uma cadeia de frio para distribuição que requer congelamento, enquanto as vacinas de AstraZeneca/Oxford e Johnson & Johnson requerem apenas geladeiras regulares. Já a vacina da Bharat Biotech pode ser mantida em temperatura ambiente.

Precisamos de uma gama de tecnologias que podem ser levadas para diferentes contextos ao redor do mundo.

Também é importante ter vacinas que possam ser modificadas conforme surgem novas variantes do coronavírus. Algumas das tecnologias são mais facilmente adaptáveis do que as outras.

Devo acrescentar também que, ao usar diferentes formas de produção de vacinas, estamos aproveitando ao máximo as instalações de fabricação disponíveis em todo o mundo. Se dependêssemos apenas da tecnologia de mRNA, não haveria nenhuma maneira de produzir doses suficientes para 2022 ou 2023, mesmo nos países de alta renda.

Se você espalhar as vacinas por diferentes tecnologias, poderá usar a gama de instalações disponíveis em todo o mundo.

Leia a entrevista completa AQUI na BBC