Detenção de brasileiro no Egito é exceção em país conhecido por impunidade a assediadores

Nesse momento, diz Mostafa, o governo foi obrigado a reagir. Daí a detenção do brasileiro e os anúncios feitos pelas autoridades. Egípcios começaram a se mobilizar depois que o médico publicou no Instagram -plataforma na qual tem quase 1 milhão de seguidores- um vídeo em que ofende uma vendedora de papiros. É possível ver nas imagens, por exemplo, Sorrentino perguntando a ela em português: “Vocês gostam mesmo é do bem duro, né?”. O médico também pergunta: “Comprido também fica legal, né? O papiro comprido”. Depois que o caso veio à tona, ele fechou o acesso ao seu perfil.

No domingo, o Ministério do Interior egípcio anunciou a detenção de um “estrangeiro”, sem citar Sorrentino pelo nome -o jornal Folha de S.Paulo confirmou que se tratava do brasileiro. No comunicado, as autoridades afirmaram que o caso tinha sido encaminhado à promotoria. Ainda na tarde de segunda-feira (31) o anúncio do ministério egípcio estava fixado no topo do perfil oficial do órgão no Twitter, indicando a importância simbólica daquele episódio para o governo.

Também no domingo, o médico publicou um vídeo em que aparentemente justificava o episódio, dizendo ser “muito brincalhão”. Depois, uma foto dentro de um avião, dando a entender que já estava voltando para o Brasil. Sorrentino afirmou também que sua viagem ao Egito tinha sido “uma imersão sem limites”. “Como é bom darmos espaço para novas versões de nós mesmos, para novas conexões, para rever e transcender valores, virtudes, sabedoria”, escreveu.

Com toda a atenção ao caso, voltou a circular um vídeo antigo em que o presidente Jair Bolsonaro -à época, deputado federal- afirmava que Sorrentino era “mais do que um irmão virtual, um irmão de farda e de fé”.

“Juntos mudaremos o Brasil”, dizia. Voltaram a circular, também, entrevistas nas quais Sorrentino defendia a hidroxicloroquina para tratar a Covid-19. O medicamento, no entanto, é considerado ineficaz nesse caso e desaconselhado inclusive pela OMS (Organização Mundial da Saúde).

O assédio sexual é uma das questões sociais mais urgentes no Egito. Segundo uma pesquisa de 2013 da ONU, 99,3% das mulheres no país dizem já ter passado por situações como ser perseguida na rua, ouvir obscenidades e ser estuprada. Esse número ajuda a contextualizar a reação popular ao caso Sorrentino, em especial nas redes sociais. A mesma pesquisa ouviu homens, e 73% deles justificaram o assédio devido à roupa de suas vítimas, que julgaram pouco decente.

O trabalho de ONGs como a Shoft Taharosh, de Mostafa, está cada vez mais difícil. O governo egípcio tem reprimido organizações de defesa dos direitos humanos. “Estamos retrocedendo”, diz ela. Muitas vezes, o governo alega ameaças à segurança pública para impedir a atuação desses grupos. Assim, pessoas como Mostafa se arriscam, ao seguir na ativa.

De certa maneira, as autoridades parecem mais preocupadas em controlar os movimentos da sociedade civil do que garantir a segurança das mulheres, segundo ativistas. Além de as detenções serem raras, é ainda mais raro que um homem seja condenado por assédio. Em geral, é solto. Mostafa cita, por exemplo, um caso recente de estupro coletivo -filmado, inclusive- em que ninguém foi punido.

Quando a ativista conversou com a reportagem por telefone, ainda não estava claro se Sorrentino seguia detido. Mas a ativista egípcia já adivinhava o desfecho da história: “Ele é estrangeiro. Por isso, tem ainda mais chance de se livrar, principalmente se a embaixada se envolver. Deve ser solto”.