Papa Francisco endurece regras contra abuso sexual em nova versão de lei católica

Papa Francisco endurece regras contra abuso sexual em nova versão de lei católica

Segundo o líder católico, a revisão teve como objetivo o favorecimento da unidade da Igreja na aplicação de penalidades, “especialmente no que diz respeito aos crimes que causam maiores danos e escândalos na comunidade”. As mudanças, portanto, de acordo com o papa argentino, servirão para “reduzir os casos em que a aplicação de sanções fica a critério das autoridades”.

“Era preciso modificá-lo [o Código] de modo a permitir aos pastores seu uso como instrumento ágil, saudável e corretivo, e que pudesse ser utilizado no tempo e com o cuidado pastoral para prevenir males maiores e sarar as feridas causadas pela fraqueza humana”, disse o pontífice.

Para Francisco, a falta de compreensão da relação íntima entre o exercício da caridade e o cumprimento da disciplina punitiva pode produzir condescendência com a má conduta dos clérigos. “Esta atitude acarreta frequentemente o risco de que, com o passar do tempo, tais modos de vida se cristalizem, tornando mais difícil a correção e, em muitos casos, agravando o escândalo e a confusão entre os fiéis.”

Filippo Iannone, chefe do departamento do Vaticano que supervisionou o projeto, disse que havia “um clima de excessiva folga na interpretação da lei penal”. Agora, o novo texto, envolvendo cerca de 80 artigos sobre crimes e punições, incorpora algumas mudanças feitas na lei da Igreja em 1983 e introduz novas categorias.

O abuso sexual de menores, por exemplo, foi colocado em uma nova seção intitulada “Ofensas contra a vida humana, dignidade e liberdade”, que substitui a versão anterior, mais vaga, chamada “Crimes contra obrigações especiais”.

O Código prevê suspensão e/ou destituição do cargo clerical a quem cometer ofensa contra o sexto mandamento do Decálogo, que prega castidade nas palavras e nas obras, com um menor de idade ou com pessoa “habitualmente imperfeita no uso da razão”.

A mesma punição se aplica ao clérigo que aliciar menores e vulneráveis para induzi-los “a se exporem pornograficamente” e ao que “adquirir, reter, exibir ou distribuir” imagens pornográficas por meio de qualquer tecnologia.

No ano passado, um relatório interno concluiu que o ex-cardeal Theodore McCarrick abusou de sua autoridade para forçar seminaristas a dormirem com ele. Ele foi destituído em 2019 sob a acusação de abuso sexual. Segundo o documento, João Paulo 2º sabia das acusações contra McCarrick antes de promovê-lo à posição de arcebisbo de Washington, nos Estados Unidos, em 2000.

De acordo com a nova versão da lei católica, estão sujeitos a excomunhão automática ministros católicos que ordenarem mulheres para posições na Igreja, assim como as próprias mulheres que receberem a ordenação não aceita pelo Vaticano.

Kate McElwee, diretora-executiva da Conferência de Ordenação de Mulheres, disse em um comunicado que embora a posição da Igreja não seja surpreendente -a limitação às mulheres é histórica, e a versão do código de 1983 reservava a ordenação a “um homem batizado”-, explicá-la no novo texto era “um doloroso lembrete da máquina patriarcal do Vaticano e suas tentativas de subordinar as mulheres”.

A seção ainda prevê punição para quem deliberadamente administrar sacramento a quem está proibido de recebê-lo. A regra pode ser aplicada, por exemplo, a clérigos que celebrarem o casamento -um dos sete sacramentos católicos- de pessoas do mesmo sexo. Em março, a Congregação para a Doutrina da Fé (CDF), um dos órgãos responsáveis por estabelecer diretrizes da Igreja, anunciou que padres e outros ministros não podem abençoar a união homossexual e que tais bênçãos não serão consideradas lícitas se forem realizadas.

“Não é lícito dar bênção a relacionamentos, ou a parcerias estáveis, que envolvam atividade sexual fora do casamento (ou seja, fora da união indissolúvel de um homem e uma mulher, aberta em si mesma à transmissão da vida), como é o caso das uniões entre pessoas do mesmo sexo”, disse a CDF, em resposta a perguntas enviadas por algumas paróquias que expressaram o desejo de conceder tais bênçãos como um sinal de boas-vindas aos católicos LGBT.

Refletindo uma série de escândalos financeiros que atingiram a Igreja nas últimas décadas, o novo código também prevê vários crimes econômicos, como desvio de fundos ou propriedades da Igreja ou negligência grave em sua administração.

Em dezembro, o papa Francisco emitiu um decreto para tornar os fundos de caridade mais transparentes e apertar o controle sobre as finanças do Vaticano. Uma das principais mudanças se deu na gestão do Óbolo de São Pedro, um fundo para o qual fiéis do mundo todo podem contribuir com doações e, segundo a tradição católica, tem o objetivo de ajudar o papa a administrar a Igreja e financiar suas instituições de caridade.

Nos últimos anos, entretanto, o fundo foi usado pelo Vaticano para cobrir déficits orçamentários e teve sua reputação afetada pela suspeita de que as doações podem ter sido utilizadas em investimentos questionáveis.