Um dos principais jornalistas do Brasil, Ribamar Oliveira morre aos 67 anos de Covid-19
Colegas contam que o espírito crítico e combativo do repórter já se mostrava naquele nascedouro. Ao saber que a manchete era “Carga fiscal recorde só reforça caixa da União”, o então presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) chegou a ameaçar não descer para a solenidade que marcou a estreia do jornal.
Riba, como era chamado pelos amigos, foi chefe de Redação da sucursal de O Globo em Brasília, repórter e coordenador de economia do Jornal do Brasil e repórter especial e colunista de O Estado de S.Paulo, além de ter passado pelas revistas Veja e IstoÉ.
Fora das Redações, foi assessor de imprensa do Ministério do Planejamento durante o governo FHC e do Banco Central durante o governo Lula. Havia voltado ao Valor há alguns anos, onde trabalhou normalmente até a chegada dos primeiros sintomas da Covid-19.
Ribamar ganhou vários prêmios, entre eles o Prêmio Esso de Informação Econômica pela reportagem “O escândalo dos precatórios”. Foi ele também que cunhou o termo “pedalada”, sendo um dos responsáveis pelas primeiras reportagens das manobras que resultaram no impeachment de Dilma Rousseff.
A morte do jornalista repercutiu entre autoridades do Executivo e Judiciário. O presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, disse que Ribamar era amplamente reconhecido pela cobertura de imprensa em Brasilia, respeitado por ministros, servidores e colaboradores do STF “em razão de seu profissionalismo e competência”.
“O Supremo se solidariza com a família e os amigos, e espera que obtenham conforto neste momento de dor e perda.”
“O Ministério da Economia recebeu com muita tristeza a notícia da morte do jornalista Ribamar Oliveira. O colunista do jornal Valor Econômico era conhecido pelo alto nível técnico, seriedade na apuração, ética e bom humor. A trajetória premiada e o reconhecimento dos colegas e dos técnicos da equipe econômica refletem a carreira de sucesso dedicada à cobertura econômica. O Ministério lamenta a perda e se solidariza com a família e amigos”, escreveu a pasta em nota.
O Banco Central expressou profundo pesar, dizendo que a excelência e seriedade do trabalho de Ribamar serviu como exemplo a todos na instituição no período em que ele trabalhou como assessor de imprensa.
“Foi uma honra contar com o profissionalismo de Ribamar no trabalho de bem informar a sociedade sobre as atividades do Banco Central. No jornalismo, sua ausência será sentida por todos os colegas.”
Atual diretor-adjunto de Redação do Valor, Cristiano Romero iniciou a carreira aos 22 anos justamente sob as ordens de Ribamar, na então Agência Brasil, em agosto de 1990.
Ele conta que, após uma viagem, voltou empolgado e entregou um texto com uma introdução de umas dez linhas, conhecida no jargão jornalístico como “nariz de cera” –quando a notícia em si demora a aparecer no texto. Ribamar teria olhado para o assistente e dito: “Fala pra ele tirar o primeiro parágrafo. O resto tá muito bom”, lembra Romero.
“O Ribamar sempre foi uma referência absoluta na economia, na área fiscal, inclusive o comentário geral era que ele sabia mais da área fiscal do que os próprios economistas. Era um ativo, um guia, um guru. Sua morte é para nós, do Valor, uma tragédia. Mas não só para nós, para todo o jornalismo”, afirma Romero.
Ele ressalta que a tristeza de agora se soma ao fato de que há menos de três anos, em outubro de 2018, o jornal e o jornalismo sofreram outra perda importante, com a morte precoce do jornalista político Raymundo Costa, aos 66 anos.
“Sempre que o Ribamar dava um furo jornalístico, uma rotina, aliás, a gente falava aqui na Folha: "Ah, é do Ribamar, não dá para competir". Riba, como todos o chamavam, era extremamente gentil e generoso com os colegas jornalistas”, afirma Leandro Colon, diretor da Sucursal de Brasília do jornal Folha de S.Paulo.
“Ele é uma referência enorme na profissão para várias gerações. Um ícone do jornalismo econômico. Fica uma lacuna em tempos tão difíceis.”
“[Ribamar] Tinha um tom professoral, mas no bom sentido, sem arrogância. Ele gostava de contar os casos do passado para ensinar e ajudar os mais jovens na Redação”, afirma Daniel Rittner, repórter especial do Valor. Ele conta que se lembra que após os primeiros momentos da pandemia, ainda no primeiro semestre de 2020, Ribamar foi o primeiro que se levantou e decidiu trabalhar de casa, em isolamento, como medida de precaução em relação à pandemia.
Vários outros colegas do jornalista, do Valor e de outros jornais, também se manifestaram.
“Nós do @valoreconomico perdemos hoje um grande companheiro de trabalho e uma referência. Antes da pandemia, tive a honra de sentar ao lado do @ribaoliveira54 na nova Redação. Aprendi muito. Que dor é sua partida. Maldita doença, maldito atraso na vacina”, escreveu o repórter do Valor Fabio Graner nas redes sociais.
“Riba se tornou um exemplo para mim desde que o conheci, no final dos anos 1990, pelos corredores do Congresso, dando furos e criando polêmicas na cobertura da CPI dos precatórios. Inteligente e criterioso, emparedava as fontes com perguntas mordazes, mas sempre com muita elegância e bom humor. Um mestre nos números e rubricas do Orçamento, algo que destrinchava para o leitor como ninguém”, afirmou Julianna Sofia, secretária de Redação da Sucursal de Brasília da Folha de S.Paulo.
“Tive o privilégio de trabalhar com o Riba no Valor Econômico, quando as reuniões de pauta com ele se transformavam em verdadeiras aulas de macroeconomia. Várias vezes o procurei para pedir ajuda com matérias intrincadas, principalmente sobre o processo orçamentário”, afirma Fabio Pupo, repórter da Folha de S.Paulo, que trabalhou com Ribamar no Valor.
“Sua experiência proporcionava velocidade na análise dos fatos, profundidade de conteúdo e clareza de texto. Uma combinação rara e valiosa que era e continuará sendo uma referência para todo o jornalismo econômico.”
A família publicou uma mensagem na rede social do jornalista externando profunda dor e afirmando que ele lutou bravamente contra a doença. Santista, Ribamar deixa a mulher, Lilian, e três filhos.