Mudanças climáticas deixam planeta mais propenso a doenças infecciosas
Além dos eventos extremos, como ondas de calor, associados à crise climática, o mundo está ficando mais propenso à transmissão de doenças infecciosas, tais como malária, zika, dengue e chikungunya.
A conclusão faz parte de um relatório internacional sobre saúde e a crise do clima. O documento também destaca o maior e desproporcional impacto que populações mais frágeis sofrem com a mudança climática.
O estudo, chamado “Lancet Countdown on health and climate change: code red for a healthy future” (“alerta vermelho para o futuro da saúde”), foi publicado na noite desta quarta-feira (20). O trabalho foi produzido por especialistas de 43 instituições de pesquisas e agências da ONU (Organização das Nações Unidas) e observa 44 indicadores sobre o tema.
A pesquisa, lançada poucos dias antes da COP26 (Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas), reforça algo que já vem sendo intensamente dito: as medidas para combate à crise climática não são suficientes.
Segundo o relatório, as condições ambientais têm se tornado cada vez mais adequadas para doenças transmitidas pela água, pelo ar, por comida e por vetores, como mosquitos.
“Apesar de o desenvolvimento socioeconômico, intervenções de saúde pública,
e os avanços na medicina terem reduzido o peso global da transmissão de doenças infecciosas, a mudança climática pode minar os esforços de erradicação”, diz o relatório.
Houve um aumento, por exemplo, de 39% (considerando as décadas de 1950/59 e 2010/19) no número de meses com condições ambientalmente adequadas para a transmissão da malária em áreas densamente povoadas de grupos de países com IDH (índice de desenvolvimento humano) baixo.
Comparado à decada de 1950, também houve aumento do potencial epidêmico da dengue e da zika. Segundo os dados apresentados, somada à maior mobilidade e urbanização, a mudança do clima elevou o número de casos de dengue –eles vêm dobrando a cada década desde 1990.
O aumento do potencial da contaminação pela cólera também é destacado pelos pesquisadores. De 2003 a 2019, as áreas costeiras adequadas para a transmissão do Vibrio cholerae cresceram substancialmente em todos os grupos de países.
Mas a cólera é uma doença que afeta principalmente as populações com pouco acesso a água e saneamento. Ela causa diarreias crônicas que podem matar –por ano, cerca de 100 mil pessoas são vítimas– na ausência do devido tratamento.
Em 2020, aponta o relatório, 98% das áreas costeiras dos países do grupo de baixo IDH eram adequadas para a transmissão da doença.
“Apesar das contundentes evidências dos impactos na saúde causados pelas mudanças climáticas, os países não estão entregando respostas de adaptação proporcionais aos riscos crescentes que suas populações enfrentam”, afirmam os pesquisadores.
EVENTOS EXTREMOS
O relatório publicado nesta quarta também aponta outros dados recentes alarmantes. Durante todos os meses de 2020, até 19% da superfície terrestre estava sendo afetada por secas extremas. De 1950 até 1999, esse valor não passou de 13%.
As temperaturas elevadas em 2020 –segundo ano mais quente na história, atrás somente de 2016– também levaram as pessoas com mais de 65 anos a ficarem mais 3,1 bilhões de dias expostos a ondas de calor.
Já para menores de um ano expostos, o número aumentou, em comparação à média anual de 1986-2005, em 626 milhões de dias (se o número pareceu estranho, trata-se de um indicador epidemiológico chamado pessoa-dia).
O destaque para esses grupos etários ocorre porque as ondas de calor são mais perigosas principalmente para essas pessoas mais vulneráveis, podendo, inclusive, levar à morte.
Logicamente, as temperaturas mais altas não afetam somente as pessoas. A segurança alimentar também foi impactada em 2020, considerando o efeito da mudança climática sobre plantações. O Brasil viveu, recentemente, altas consideráveis nos preços de alimentos em parte por causa de eventos de seca e de geadas, que prejudicaram colheitas.
O relatório também mostra preocupação com investimentos públicos em energias não renováveis e o aumento de emissões na recuperação econômica pós-Covid.
“Nem a Covid-19 nem a mudança climática respeitam as fronteiras nacionais”, concluem os pesquisadores. “Os líderes mundiais têm uma oportunidade sem precedentes de oferecer um futuro de saúde melhor, desigualdade reduzida e sustentabilidade econômica e ambiental. No entanto, isso só será possível se o mundo agir em conjunto para garantir que nenhuma pessoa seja deixada para trás.”