Aborto até 24ª semana envolve debate sobre viabilidade do feto, dizem médicos

Aborto até 24ª semana envolve debate sobre viabilidade do feto, dizem médicos

Por conta disso, os países têm regras diferentes. Em geral, onde é permitido, o aborto é realizado até a 14ª ou 16ª semana. Uma minoria (1,3%) dos abortos ocorre após a 21ª semana, segundo dados da Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos.

Na Inglaterra, o aborto é permitido desde a década de 1960 por amplos motivos sociais ou econômicos, incluindo risco de vida para a mãe ou o feto, até a 24ª semana. Na Holanda, o aborto é permitido por desejo da mulher em qualquer período até a 21ª semana; já entre as semanas 21 a 24, é permitido por razões médicas com o consentimento escrito de dois médicos.

Nos Estados Unidos, os estados possuem regras distintas para a interrupção da gestação, e em alguns casos os procedimentos são realizados até a 21ª semana se o feto for inviável.

No Brasil, o aborto só é permitido em três situações: estupro, anencefalia do feto ou risco de vida para a mulher. Nos três casos, até a 22ª semana ele pode ser realizado nos serviços médicos especializados, explica a psicóloga do ambulatório de violência sexual do hospital Pérola Byington, Daniela Pedroso.

“Nós no Pérola Byington atendemos majoritariamente mulheres vítimas de violência sexual. O desejo de abortar não é pautado por uma questão pessoal ou de maternidade da mulher, mas sim por conta do trauma vivenciado por aquela violência”, diz.

O ginecologista, obstetra e ex-professor da Faculdade de Medicina de Jundiaí, Thomas Gollop, explica que o prazo mais extenso é a “forma mais generalizada de não colocar empecilhos” na decisão por uma interrupção.

“Com a amplitude, procura-se dar a melhor assistência possível em situações graves, pois é raro que algum problema de má-formação ou de doença congênita vá aparecer após a 24ª semana.”

É nesse período, entre 20 e 24 semanas, que é realizado o segundo exame morfológico, que pode detectar algum problema de saúde mais grave no bebê em crescimento.

O médico completa: “com as técnicas mais avançadas de diagnóstico molecular, as situações especiais, de interrupção na gestação tardia, vão ficar cada vez mais raras também”, diz.

Segundo Gollop, é mais frequente também ocorrer no período mais tardio da gravidez a interrupção da gestação de meninas e adolescentes que sofreram violência sexual. “É mais comum que vítimas de violência sexual busquem ajuda médica apenas em períodos mais tardios. Isso não é a regra, mas é visto frequentemente”, diz.

Após o 6º mês, para o médico, a interrupção já representa um procedimento mais complicado e, dessa forma, cada caso deve ser estudado de maneira particular.

Já a ginecologista e presidente da Comissão Nacional em Vacinas da Febrasgo (Federação Brasileira de Associações de Ginecologistas e Obstetrícias), Cecilia Maria Roteli-Martins, não concorda com a realização do aborto até a 24ª semana.

“A partir de 20 semanas, não se fala mais em aborto, mas prematuro. Um feto de 24 semanas é viável, embora seja extremamente prematuro. Na prática obstetra, considero essa decisão uma catástrofe”, diz.

De acordo com a médica, para proceder a interrupção de uma gestação nesse período são necessárias técnicas cirúrgicas de indução à morte do feto.

“Se uma mulher entra em trabalho de parto prematuro com seis meses de gestação, a prática obstetra diz que é fundamental preservar o binômio materno-fetal; para isso, são usados medicamentos, anestesia, que não prejudiquem o feto. Já para a interrupção de uma gestação, nessa fase, de acordo com a prática, sou contrária”, afirma.

Segundo ela, falar de aborto com 24 semanas do ponto de vista obstetra não é correto e, por mais que possam haver casos em que há uma interrupção por má-formação fetal, a descriminalização possibilita a abertura também para procedimentos por decisão tardia da mulher.

Daniela Pedroso, por outro lado, pontua que a literatura científica nos últimos 35 anos mostra que as sequelas psicológicas para as mulheres são menores quando o aborto é realizado de maneira legalizada do que o contrário. “Os traumas não são relacionados ao abortamento em si, mas à experiência vivida. Por isso, ter a assistência médica e legalizada torna esse procedimento menos prejudicial do ponto de vista psíquico”, afirma.