Entenda por que religiões cristãs chegam a proibir fiéis de se filiarem à maçonaria

Embora não seja um movimento religioso, a maçonaria inclui elementos alegóricos e místicos que levam muitas igrejas cristãs a desconfiarem dela ou mesmo proibirem que seus fiéis se tornem maçons.

O catolicismo e diversas denominações protestantes argumentam que a filiação à maçonaria levaria seus membros a uma indiferença em relação à fé em Jesus. Um vídeo em que Jair Bolsonaro discursa a maçons voltou a circular nesta terça (4), gerando controvérsias entre uma base importante do eleitorado do presidente, os evangélicos. O vídeo, sem data, teria sido feito antes de ele assumir a Presidência.

O debate sobre o tema ocorre desde o século 18, quando as lojas maçônicas assumiram características parecidas com as atuais, deixando de ser associações de construtores, como eram na Idade Média.

Foto: Reprodução

Nessa época, as lojas passaram a reunir membros –quase sempre, apenas homens– com as mais variadas ocupações e pertencentes a diversas igrejas, em especial nas regiões em que havia alguma liberdade religiosa, como o Reino Unido e as colônias britânicas que acabariam formando os EUA.

Com objetivos filantrópicos e de ajuda mútua, os membros desses grupos buscavam evitar controvérsias religiosas entre si, além de receberem influências racionalistas do chamado Iluminismo, movimento que tentava restringir o papel da religião na vida pública.

Por isso, embora as chamadas “Constituições dos Maçons”, um dos primeiros documentos formais da maçonaria, tenham sido escritas por um pastor presbiteriano, o escocês James Anderson (1691-1739), ficou estabelecido que os membros não precisavam ser membros de nenhuma religião.

Em vez disso, os requisitos predominantes até hoje para se tornar maçom envolvem apenas a declaração de fé num “Ser Supremo” genérico, que os adeptos também chamam de “Grande Arquiteto do Universo”.

Em geral, pede-se que os membros jurem seguir essa crença de acordo com o livro sagrado de sua preferência. Em consonância dessa ideia de Deus como arquiteto, os rituais da maçonaria também fazem referência à construção do antigo Templo de Jerusalém por Hiram, arquiteto do rei israelita Salomão.

Apesar dos aspectos monoteístas (ou seja, ligados à crença em um único Deus) e da inspiração nas escrituras judaicas, os rituais e a simbologia maçônica não fazem referências específicas aos dogmas cristãos, e as lojas podem misturar fiéis de diferentes igrejas ou mesmo de religiões não cristãs.

Isso fez com que, ainda em 1738, o papa Clemente 12 proibisse os católicos de se tornarem maçons, excomungando os que se juntassem a uma loja maçônica. Essa pena não consta mais das normas de direito canônico, mas uma declaração do Vaticano de 1985 reitera que “a inscrição nas associações maçônicas está proibida pela igreja, e os fiéis que nelas se inscreverem estão em estado de pecado grave e não podem se aproximar da Sagrada Comunhão”. Essa norma não foi revogada até hoje.

Segundo o mesmo documento, “para um cristão católico não é possível viver a sua relação com Deus numa dúplice modalidade, isto é, dividindo-a numa forma humanitária, superconfessional [a da maçonaria], e numa forma interior, cristã”. “Não pode cultivar relações de duas espécies com Deus nem exprimir a sua relação com o Criador por meio de formas simbólicas de duas espécies.”

Embora de forma menos categórica que a da hierarquia católica, denominações protestantes frequentemente aconselham seus membros a não participar da maçonaria ou exigem que a deixem.

Em documento de 2012, por exemplo, a Igreja Presbiteriana do Brasil afirma: “A Maçonaria, em sua intenção cúltica, conflita com as ordenanças religiosas que Deus instituiu em sua Palavra quando dirige a adoração a um deus como concebido por cada professante individualmente, dentre os mais diversos credos religiosos. Não se pode afirmar, portanto, que nos atos de intenção cúltica ou veneração maçônica ao Grande Arquiteto do Universo o deus de um seja o deus de todos”.

“Incorre em falta o membro de igreja e ministro que estiver participando ativamente em atos cúlticos em desacordo com o primeiro e o segundo mandamentos em qualquer organização que os promova.”

Uma carta pastoral da Igreja Metodista brasileira, datada de 2008, adota uma posição mais branda. De um lado, “o Colégio Episcopal não recomenda que membros da Igreja Metodista participem de Sociedades Secretas e de Associações Religiosas que não professem os princípios de fé aceitos pelo Metodismo Universal, tampouco recomenda que os membros da Igreja Metodista façam votos nessas sociedades secretas que venham a ser uma negação da sua experiência e doutrinas básicas da fé cristã”.

Por outro lado, “os membros da Igreja Metodista que ainda continuam sendo maçons devem discernir sobre os possíveis ritos religiosos que venham a ser praticados no contexto da maçonaria e ir em busca de orientação pastoral a fim de verificar se encontram fundamentação nas tradições bíblicas e cristãs”.