Giorgia Meloni nega simpatia pelo fascismo em primeiro discurso ao Parlamento italiano

Giorgia Meloni nega simpatia pelo fascismo em primeiro discurso ao Parlamento italiano

“Nunca senti qualquer simpatia ou proximidade com regimes antidemocráticos. Por nenhum regime, incluindo o fascismo”, disse Meloni, acrescentando que considera as leis antissemitas implementadas pelo ditador Benito Mussolini no fim dos anos 1930 “o ponto mais baixo da história italiana, uma vergonha que manchará nosso povo para sempre.”

A frase de Meloni tem um quê de contraditória: ainda aos 15 anos, a primeira-ministra italiana integrou a seção juvenil do Movimento Social Italiano (MSI), partido fundado em 1946 por integrantes dos últimos anos de Mussolini. Paralelamente, sua atual legenda, o Irmãos da Itália, tem membros que até hoje comemoram datas do fascismo, além de ter em seu logotipo uma chama com as três cores da bandeira –também uma herança fascista.

Como esperado, Meloni abordou vários temas das políticas interna e externa da Itália -seu discurso tinha 16 páginas e durou mais de uma hora, segundo o jornal italiano Corriere della Sera. A primeira mulher a assumir o governo do país voltou a prometer que manterá a linha dura da União Europeia contra o presidente da Rússia, Vladimir Putin, defenderá sanções contra Moscou e seguirá apoiando a Ucrânia na guerra que de desenvolve há oito meses.

“Ceder à chantagem de Putin sobre a energia não resolveria o problema, mas o exacerbaria ao abrir caminho para mais demandas e chantagens”, disse Meloni em referência à crise energética que assombra a Europa às vésperas do inverno e aos cortes de fornecimento de gás russo ao continente.

Posicionamento

Na semana passada, a líder italiana já havia marcado posição ao afirmar que seu governo seria pró-Otan, aliança militar ocidental, e pró-Europa, em um sinal de discordância com seu colega de coalizão e ex-premiê Silvio Berlusconi -amigo de Putin.

O que difere as políticas de Meloni das de outros governos europeus, porém, talvez seja como lidar com o aumento nos preços do gás. Enquanto parte da Europa defende a aceleração do desenvolvimento de energias renováveis, ela defende que pauta ambiental precisa ter como foco o cidadão –um eufemismo para o impacto econômico de uma eventual transição energética.

“O que nos distingue do ambientalismo ideológico é que queremos defender a natureza com o homem dentro”, afirmou, deixando no ar a possibilidade de ser uma pedra no sapato da União Europeia em relação ao tema, ainda que tenha defendido investimentos em energias renováveis.

Meloni também frisou seu apoio a políticas financeiras para famílias e empresas endividadas devido à alta da inflação no continente -outros líderes europeus anunciaram medidas semelhantes nos últimos dias. “O contexto em que o governo terá que agir é muito complicado, talvez o mais difícil desde a Segunda Guerra Mundial”, disse, acrescentando que a Itália pode entrar em recessão em 2023.

O anúncio da primeira-ministra, porém, deve intensificar disputas internas na coligação de ultradireita. Isso porque Meloni já cogita o adiamento de algumas de suas principais bandeiras de campanha, incluindo medidas apoiadas por Matteo Salvini, líder da Liga, segunda maior força dentro da coalizão.

Elogios ao antecessor

Ainda sobre pautas importantes para a ultradireita italiana, Meloni disse que sua administração tentará impedir o contrabando de pessoas pelo Mediterrâneo e trabalhará com os governos da África para ajudar a deter os fluxos de migrantes do continente. A despeito de sua notória bandeira anti-imigração, a nova líder se mostrou contrária ao bloqueio naval imposto por Salvini em 2019, que proíbe a chegada de navios com imigrantes na costa italiana.

Em uma clara tentativa de moderar seu discurso e, consequentemente, a visão sobre seu governo, Meloni ainda elogiou seu antecessor, Mário Draghi, por, segundo ela, ter facilitado uma “transição rápida e pacífica”. Durante vários momentos, parlamentares aplaudiram de pé a primeira-ministra -incluindo a oposição, que se animou quando a italiana mencionou políticas para combater a pobreza.

Ainda nesta terça, a Câmara dos Deputados realizará um voto de confiança no novo governo e, no final do dia, uma votação semelhante é esperada no Senado –formalidades para a oficialização do cargo, nas quais Meloni deve ser aprovada com larga maioria.