CFM proíbe médicos de prescrever anabolizantes para fins estéticos e esportivos
O CFM (Conselho Federal de Medicina) proibiu a prescrição médica de terapias hormonais com esteroides androgênicos e anabolizantes (EAA) com fins estéticos, para ganho de massa muscular e/ou melhora do desempenho esportivo. A resolução consta do Diário Oficial da União desta terça (11).
A justificativa é a inexistência de comprovação científica dos benefícios e da segurança dessas terapias. Segundo o CFM, não há estudos clínicos de boa qualidade que demonstrem a magnitude dos riscos associados a esses hormônios em níveis acima dos fisiológicos, tanto em homens quanto em mulheres.
A resolução também veta a realização de cursos, eventos e publicidade com o objetivo de estimular o uso ou fazer apologia de possíveis benefícios dessas terapias androgênicas com finalidades estéticas, de ganho de massa muscular ou de melhora na performance esportiva.
A reportagem encontrou na internet vários anúncios com oferta de cursos e eventos online e presenciais destinados ao treinamento de médicos para a prescrição de hormônios esteroides anabolizantes. Os preços médios são de R$ 3.600.
Os esteroides anabolizantes são medicamentos originalmente prescritos a pacientes que não produzem hormônios adequadamente e precisam da reposição. Mas nos últimos anos têm sido usados, cada vez mais, por frequentadores de academias de musculação e luta ou com finalidade estética para ganho de massa muscular e perda de gordura em um período que o corpo sozinho não conseguiria.
A decisão do CFM ocorre após um pedido conjunto de sociedades médicas para que o tema fosse regulamentado. Assinam o documento as sociedades de endocrinologia e metabologia, de cardiologia, de urologia, de medicina do esporte, de dermatologia, de geriatria e gerontologia, além das federações de ginecologia e obstetrícia e de gastroenterologia.
Segundo o presidente do CFM, José Hiran Gallo, diante de um aumento exponencial da prescrição irregular desses produtos, o conselho ouviu vários especialistas no assunto, que foram unânimes em afirmar que os benefícios da sua utilização para esses fins estéticos e esportivos não superam os riscos. “Não existe dose mínima segura, como alguns usuários alegam. Por isso, estamos proibindo essa prática.”
Ele cita inúmeros efeitos adversos, como problemas cardiovasculares, incluindo hipertrofia cardíaca, hipertensão arterial e infarto agudo do miocárdio, doenças hepáticas como hepatite medicamentosa e insuficiência hepática aguda, além de depressão, disfunção erétil, diminuição da libido, infertilidade, aumento da agressividade e dependência.
De acordo com um estudo do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas de São Paulo, aqueles que ingerem anabolizantes apresentam maior risco de formação de placas nas coronárias, que impedem o fluxo sanguíneo e o suprimento de oxigênio. Essas complicações levam à aterosclerose, que pode causar problemas como AVC e ataque cardíaco.
Segundo a pesquisa, 25% dos jovens, com média de 29 anos, que utilizam esse produto, apresentam essas placas em até três coronárias. Outro fator de risco é que o colesterol bom, ou HDL, além de estar presente em menor quantidade no organismo, também tem sua funcionalidade prejudicada.
Gallo, do CFM, reforça que nada muda em relação às indicações dos hormônios anabolizantes já previstas na literatura médica, por exemplo, no tratamento de doenças como hipogonadismo, puberdade tardia, micropênis neonatal e caquexia. Podem também ser indicados na terapia hormonal cruzada em transgêneros e, a curto prazo, em mulheres com diagnóstico de desejo sexual hipoativo.
A proibição de cursos sobre a prescrição dos anabolizantes para fins estéticos e esportivo também foi um pedido das entidades médicas que, segundo elas, visam jovens médicos recém-formados.
“Seduzidos por promessas de altos rendimentos, diferenciação e colocação rápida no mercado de trabalho, acabam por seguir esses caminhos, que se apresentam como fáceis atalhos”, diz o texto das sociedades médicas.
Para as entidades, o abuso é propiciado por uma percepção de impunidade, devido à presença constante de porta-vozes desses eventos em diferentes mídias sociais.
“Nos últimos anos, tem sido criada uma narrativa de normalidade e isso nos preocupa muito porque coloca em perigo especialmente uma população mais jovem, que não tem como avaliar os riscos aos quais está sendo submetida”, afirma Paulo Augusto Carvalho Miranda, presidente da SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia).
Segundo ele, as doses usadas com objetivo estético ou de melhorar o desempenho nos esportes costuma ser bem mais altas que as utilizadas clinicamente, e um há um discurso enganoso de minimizar os efeitos colaterais que pode pôr os usuários em risco.
Um dos hormônios que têm sido propagandeados por “tiktokers fit” é a oxandrolona, para fins estéticos com foco nas mulheres. A substância se liga ao receptor da testosterona e tem efeitos semelhantes ao desse hormônio masculino. “Causa aumento do clitóris, engrossamento da voz, aumento de pelos e queda de cabelo”, alerta o presidente do CFM.
O conselho também vetou a prescrição e divulgação de hormônios anunciados como “bioidênticos” em formulação “nano” ou com nomenclaturas de cunho comercial sem a devida comprovação científica de superioridade clínica para a finalidade prevista na resolução, assim como de moduladores seletivos do receptor androgênico (Sarms) para qualquer indicação.
Segundo a conselheira do CFM e relatora Annelise Meneguesso, é crescente o número de pessoas utilizando tais medicações de forma ilícita.
“Concomitante ao uso de EAA, há um aumento da administração do hormônio do crescimento [GH] de forma abusiva por atletas, amadores e profissionais, como droga ergogênica, motivo pelo qual o GH encontra-se incluído na lista de substâncias anabolizantes da Anvisa, assim como no rol de drogas proibidas no esporte pela Agência Mundial Anti-Doping (Wada)”, disse em nota.
As drogas ergogênicas tendem a melhorar o desempenho físico retardando a fadiga, impulsionando o ganho de massa muscular (propriedade anabolizante) e a quebra de gordura (propriedade lipolítica).
Os anabolizantes também têm sido objetos de várias operações policiais. No último dia 31, por exemplo, a Polícia Civil do Maranhão prendeu um médico nutrólogo e um policial militar em São Luís, por suspeita de venda ilegal de anabolizantes e outros remédios não autorizados pela Anvisa.
No 1º de abril, a Justiça concedeu alvará de soltura ao médico, mas o proibiu de deixar a cidade. O CRM (Conselho Regional de Medicina) também abriu sindicância para apurar a conduta do profissional.
No início do mês de março, a Anvisa determinou a apreensão de unidades falsificadas de hormônios com ação anabolizante. Além disso, proibiu a comercialização, distribuição e uso desses produtos.
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O QUE DIZ A RESOLUÇÃO DO CFM
São vedados no exercício da medicina, por serem destituídos de comprovação científica suficiente quanto ao seu benefício e segurança para o ser humano, o uso e a divulgação dos seguintes procedimentos:
- utilização em pessoas de qualquer formulação de testosterona sem a devida comprovação diagnóstica de sua deficiência, excetuando-se situações regulamentadas por resolução específica
- utilização de formulações de esteroides anabolizantes ou hormônios androgênicos com a finalidade estética
- utilização de formulações de esteroides anabolizantes ou hormônios androgênicos com a finalidade de melhora do desempenho esportivo, seja para atletas amadores ou profissionais
- a prescrição de hormônios divulgados como "bioidênticos", em formulação "nano" ou nomenclaturas de cunho comercial e sem a devida comprovação científica de superioridade clínica para a finalidade prevista na resolução
- a prescrição de moduladores seletivos do receptor androgênico (Sarms), para qualquer indicação, por serem produtos com a comercialização e divulgação suspensa no Brasil
- a realização de cursos, eventos e publicidade com o objetivo de estimular e fazendo apologia de possíveis benefícios de terapias androgênicas com finalidades estéticas, de ganho de massa muscular (hipertrofia) ou de melhora de performance esportiva.