'O fundo do poço já ficou para trás', diz especialista sobre a economia da região de Piracicaba
Para Haroldo Torres, a baixa da inflação e taxas de juros influenciarão retomada de investimentos. Ele vê serviços por apps como transitórios e indica busca por qualificação. Haroldo Torres avalia que o preço da carne vai cair, mas não aos níveis históricos de anos anterioresArquivo PessoalAumento da quantidade de microempreendedores e trabalhadores de serviço de aplicativo em meio ao alto nível de desemprego, mecanização impactando na agricultura, recuperação de grandes empresas e alta no preço da carne são alguns dos destaques da economia na região em 2019. Reforma da previdência, GIG economy e peste suína foram algumas das palavras-chaves para se analisar alguns destes cenários. Ao G1, o economista Haroldo Torres, gestor de projetos do Programa de Educação Continuada em Economia e Gestão de Empresas (Pecege), traçou um panorama do aglomerado de Piracicaba e, entre suas orientações, está a de que os trabalhadores de aplicativos se planejem para uma recolocação no mercado, pois aponta que seus empregos são transitórios. G1: Em um ano, o número de MEIs (microempreendedores) teve um aumento de 22% em Piracicaba, segundo levantamento do Sebrae. É reflexo da reforma trabalhista? Como esse crescimento pode impactar no mercado?Haroldo Torres: Em relação às MEIs, acho que antes de falar da reforma, é importante dizer que o crescimento dos MEIs está de fato ligado ao processo de desemprego da economia como um todo. Toda vez que você tem um desemprego em alta o número de MEIs cresce. Isso reflete, de certa forma, um avanço na formalização, que por um lado é bom, mas mostra que a população está buscando novas fontes de renda em meio a essa desocupação recorde. A gente viu esse número aumentar em 2019, mas ao longo de 2019 a taxa de desemprego tem recuado ligeiramente. Mas é importante dizer que estamos com uma taxa de desemprego muito alto. Portanto, o aumento do desemprego é que está empurrando as pessoas para o empreendedorismo. O avanço da formalização reflete a necessidade do brasileiro em buscar novas fontes de renda. Aqui tem aquela visão do empreendedorismo por necessidade. Ele tem ganhado cada vez mais relevância. O número que você trouxe é de Piracicaba. Eu não olhei o número nacional, mas faria esse mesmo prognóstico como uma tendência nacional. Não é algo isolado de Piracicaba. Provavelmente a gente vai ter essa tendência de crescimento das MEIs no Brasil como um todo. Mais do que ligado à reforma trabalhista eu acabo atribuindo o aumento das MEIs ao aumento do desemprego. Vejo muito mais como uma forma das pessoas crescerem profissionalmente, saírem da informalidade e vencerem a situação de desemprego. Funcionários de serviço de entrega por aplicativo: especialista indica busca por recolocação no mercadoMarcelo Brandt/G1 G1: Neste contexto, como dá para avaliar o mercado dos serviços por aplicativo? A tendência é de que absorvam ainda mais mão de obra aqui na região?Haroldo Torres: Acho que não só o trabalho por aplicativo, mas como MEI de forma geral, reflete a mesma tendência. A única questão é que mesmo no trabalho por aplicativo como no trabalho por MEI isso começa a exigir mais nível de responsabilidade sobre suas finanças. Isso significativa que ele [trabalhador] vai sentir diretamente a demanda do mercado. Quando ele está empregado com carteira assinada, independente do fluxo de vendas da sua empresa, ele tem garantido o salário dele. Quando ele passa a ser MEI ou agente vinculado a aplicativo, que às vezes a gente chama de GIG economy, é importante que ele tenha uma visão mais profissional das suas finanças, porque num momento de oscilação ele precisa ter uma reserva.Vou pensar num caso extremo aqui. Quando eu olho para o caso da Uber: hoje estamos vendo esse crescimento muito forte, mas se pensar a médio e longo prazo e se viabilizar os carros autônomos, essas pessoas não teriam mais essas oportunidades de trabalho. O que mostra é que essas atividades são transitórias. Elas não são permanentes. E, nesse cenário, quando eu falo que a pessoa precisa ter mais responsabilidade sobre suas finanças, ela também precisa aproveitar esse momento para se qualificar, olhando novas profissões e novas áreas para se recolocar no mercado de trabalho. Não olho esses trabalhos como modelo de negócio de renda permanente. É importante que sejam modelos transitórios, onde a pessoa faça de fato uma renda daquilo e tenha uma responsabilidade com seu orçamento, mas que procure ao mesmo tempo se qualificar, dado que ele inclusive tem uma gestão melhor do seu tempo e autonomia para manusear seu tempo nesse tipo de atividade.Colheita de cana-de-açúcar é a principal responsável pela produção agrícola em PiracicabaMurillo Gomes/G1G1: Em relação a emprego, em outubro, a região de Piracicaba teve um saldo negativo de 542 vagas, segundo o Caged. Entre as cidades que tiveram os piores resultados, a maioria dos cortes ocorreu na agricultura. Como você avalia esse desempenho e o impacto no setor da agricultura?Haroldo Torres: Se a gente olhar de setembro para outubro, a taxa de desemprego no Brasil como um todo caiu. Ela saiu de 11,8% e foi para 11,6%. Queda marginal, mas caiu. Quando a gente olha para a agricultura, especificamente na região de Piracicaba, é importante perceber que temos uma característica, talvez, sui generis: é uma região predominantemente movida pelo setor sucroenergético. E quando a gente olha para outubro e novembro, coincidem com o fim de safra da cana-de-açúcar. E muitas pessoas empregadas na agricultura e especialmente na área de cana-de-açúcar acabam tendo contratos de safristas para trabalhar durante o período de safra. E o que estamos vendo agora é fruto de dois processos: o primeiro é o início do período de entressafra, que coincide com o desligamento de algumas atividades, principalmente os safristas, e temos um segundo efeito na agricultura, que não é só de Piracicaba, mas nacional, que é o efeito da mecanização. Cada vez mais as atividades estão passando por um processo de mecanização. A própria cana-de-açúcar saiu de uma colheita manual para uma colheita 100% mecanizada. Não vejo como ponto negativo. Se a gente olhar para o saldo do PIB [Produto Interno Bruto] no ano para a agricultura brasileira é ela que, inclusive, tem sido uma grande alavanca do crescimento do PIB neste ano. Mas, apesar desse cenário, a região sofre com algumas características pontuais ligada ao setor e, especificamente, ligada ao setor sucroenergético. Planta da Caterpillar Brasil em PiracicabaClaudia Assencio/ G1G1: Em Piracicaba, temos empresas de grande porte que mobilizam grande mão de obra e a economia local, como Hyundai, Case, Caterpillar e Raízen. A Hyundai anunciou férias coletivas recentemente e a Case também. Como você analisa o ano destas empresas e seus setores?Haroldo Torres: Quando a gente olha para a Caterpillar, que está olhando para uma indústria de construção civil, para investimento de base, ela é de um setor que está ligado diretamente ao desempenho da economia brasileira. Então, à medida que vemos uma recuperação da economia brasileira, você tem de fato uma recuperação muito forte das empresas da região. A Hyundai, no setor automobilístico, também sentiu uma recuperação das vendas nos últimos anos. Para as empresas da região, a mensagem que fica é: o fundo do poço já ficou para trás. Já tivemos uma forte recessão econômica em 2015 e 2016 e estamos tendo uma lenta redução da economia. Se for fazer um prognóstico para 2020, provavelmente o que a gente tem é um cenário melhor do que em 2019. E 2019 já foi melhor dentro de algumas circunstâncias. Temos um governo novo, está engrenando, mas a reforma da Previdência foi aprovada. À parte disso, falo que 2019 já foi um ano positivo, mas em 2020 tudo indica um crescimento de quase 2,5% do PIB, enquanto neste ano vamos crescer próximo de 1%. Quando a gente olha para a reforma, a reforma não reduziu o desemprego justamente porque o empresário não via expectativa de crescimento da economia brasileira e por isso não avançou no processo de contratação. O nível de emprego depende primeiro da expectativa dos empresários em obter lucro com a produção. Quando a gente olha para a reforma trabalhista, novas regras por si só vão facilitar a contratação quando a classe empresarial estiver mais segura sobre o futuro dos seus negócios. Quando a gente olha para 2020, a gente já tem um cenário melhor domesticamente, isso faz com que a gente tenha uma recuperação do emprego e consequentemente da economia como um todo. Acho que esse é o balanço. Se a gente for falar de uma forma geral, qual é o cenário mais interessante hoje, diferente dos últimos três ou quatro anos? Hoje a gente tem uma taxa de juros baixa, definida pelo Copom em 4,5%, mesmo com o episódio pontual da carne estamos com uma inflação baixa, considerando nossos níveis históricos e liberação do FGTS. São estímulos dentro da economia para uma recuperação. Então, provavelmente, o que a gente vai ver com esse níveis de juros é uma retomada do investimento. E essa retomada vai levar junto uma recuperação da economia. Então, essa é a ideia por trás de todo esse processo. Hyundai, Case, Caterpillar, eu diria que já passaram pela fase pior. Em 2019 já foi um ano positivo e minha visão é que 2020 vai ser um ano muito melhor. Talvez o maior beneficiário é o próprio comércio, que já tem dado sinais de recuperação, até por esse fatores que comentei: baixa inflação, liberação de FGTS e soma-se ao empresário baixas taxas de juros que vão dar estímulo para que ele volte a investir na sua atividade. Preço da carne teve aumento durante o ano, devido à peste suína chinesaTV GloboG1: Em relação aos preços, o aumento em destaque é o da carne, que na cesta básica de Piracicaba aumentou 11% em novembro, segundo a Esalq. Como você avalia esse aumento? Vai persistir?Haroldo Torres: Em relação à carne bovina, o que estamos vendo hoje é um reflexo do que está acontecendo com a economia chinesa, que é uma grande demandante de proteína animal. E o que ela teve foi um episódio de ter de abater uma quantidade enorme de suínos em função da peste africana. Ou seja, a China aumentou não só sua demanda por carne bovina, mas por carne suína e por aves. E o que a gente tem é um descompasso: aumento de demanda com início de entressafra no Brasil e soma-se aumento de demanda no Brasil no período, pela liberação da parcela 13º e porque a recuperação da economia tem levado a um fôlego a mais. A gente tem uma pressão de demanda, ao mesmo tempo em que tem uma redução de oferta. Isso foi um push muito forte para o preço da carne. Gosto de dizer que foi um movimento com dois efeitos: o primeiro é para tirar a carne dos patamares que a gente conhecia. Provavelmente, a gente vai ter patamares e preços de níveis de carnes para 2020 num patamar maior do que a gente observou ao longo da série histórica dos últimos anos, mas a níveis menores que a gente observou recentemente. Eu diria que o prognóstico é: não vamos ter preços tão altos em 2020 como recentemente, mas nem tão baixos quanto os que tivemos ao longo dos últimos cinco anos. Tem uma mensagem positiva e negativa. Positiva principalmente para os produtores rurais, pecuaristas e frigoríficos, e negativa para o consumidor que vai ter, neste momento, de conviver com preços relativamente maiores de todas as proteínas. Veja mais notícias da região no G1 Piracicaba