Sem apresentar prova, empresa diz ter encontrado anticorpo que cura coronavírus

Sem apresentar prova, empresa diz ter encontrado anticorpo que cura coronavírus

Em entrevista ao canal de notícias americano Fox News, alinhado aos ideais conservadores do presidente Donald Trump, o diretor da Sorrento Therapeutics disse que o anticorpo representa uma cura para a Covid-19. "Se temos um anticorpo neutralizante no nosso corpo, não precisamos do distanciamento social. Podemos reabrir a sociedade sem medo", afirmou.

Trump, assim como o brasileiro Jair Bolsonaro, é crítico das medidas de quarentena e de seus efeitos na economia.

Mesmo sem comprovar o feito, a Sorrento Therapeutics viu suas ações serem valorizadas no mercado financeiro, que tiveram um pico de crescimento de 240% no valor de suas ações durante o dia.

A Fox News foi um dos primeiros veículos a dar destaque para os estudos preliminares feitos com a hidroxicloroquina, que depois teve o uso endossado pelo presidente americano Donald Trump e defendido pelo presidente Jair Bolsonaro.

Uma sequência de grandes estudos publicados em revistas científicas de prestígio, porém, vem atestando que o remédio não é eficiente para combater o novo coronavírus.

Segundo a imunologista Cristina Bonorino, professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e pesquisadora-associada da Universidade da Califórnia em San Diego, a técnica para desenvolver anticorpos para terapias já é dominada por pesquisadores de diversas instituições.

"Desde o início da pandemia, cerca de uma centena de universidades e empresas começaram a desenvolver esses anticorpos", diz. "O que preocupa nesse caso é a empresa não publicar os resultados", afirma.

Um grupo de cientistas de universidades europeias já havia publicado no dia 4 de maio um artigo que demonstrou a eficiência do uso de um anticorpo para bloquear a infecção pelo novo coronavírus em cultura de células –um estudo preliminar, como a empresa de San Diego diz ter feito.

O artigo está disponível no periódico Nature Communications, revista de acesso gratuito publicada pelo mesmo grupo responsável pela prestigiosa Nature.

Ainda que os resultados da Sorrento se provem reais e promissores, Bonorino lembra que o anticorpo precisa passar por testes em animais e em humanos antes de ser aprovado. "Mesmo que haja alguma flexibilização para a aprovação, ela não vai acontecer sem a comprovação de que o anticorpo funciona e não é tóxico", diz.

Mas de acordo com Bonorino, que estuda anticorpos para tratamento de câncer (técnica conhecida como imunoterapia) e faz parte do comitê científico da Sociedade Brasileira de Imunologia, o uso do dispositivo como medicamento é custoso e não garante proteção duradoura contra o vírus.

"Os anticorpos agem para reforçar a imunidade", explica a cientista. Essas moléculas têm um prazo de validade no nosso corpo, que, dependendo da dose, dura até alguns meses.

Um anticorpo usado contra doença respiratória em crianças, o palivizumabe, tem seu valor na casa dos R$ 4.000 por dose. Anticorpos usados em tratamento de câncer são ainda mais caros, e podem chegar ao preço de R$ 25 mil por mês de uso.

"Anticorpos são caros, e o efeito é passageiro", diz a pesquisadora. "O ideal é que o corpo crie uma memória imunológica, e isso só a vacina faz", conclui.

Procurada pela reportagem, a Sorrento Therapeutics disse que não conseguiria responder às questões do jornal devido ao aumento da demanda de trabalho de sua equipe.