Novo coordenador de Meio Ambiente do MPF atribui desmatamento à ganância e à natureza

Novo coordenador de Meio Ambiente do MPF atribui desmatamento à ganância e à natureza

 

Os procuradores da República têm independência de ação, mas a 4ª Câmara dá apoio em temas estratégicos. Por exemplo, é quem coordena o projeto Amazônia Protege, que, em três anos, já entrou com cerca de 3.500 processos contra desmatadores a partir de imagens de satélite.

Nesta entrevista à reportagem por escrito, Baiocchi afirma que não vê antagonismo entre meio ambiente e produtor rural e que já atuou em muitos processos envolvendo crimes ambientais.

Questionado sobre o desmatamento na Amazônia, citou problemas como "ganância de criminosos", "fenômenos da natureza" e "diminuta capacidade dos órgãos de controle e fiscalização frente à escassez mundial de recursos naturais", mas não mencionou as políticas de Bolsonaro.

Sobre o currículo, acrescentou que é ouvidor geral do MPF há seis anos e que atua nas turmas do STF há quatro anos Mencionou também que, quando foi procurador chefe da Procuradoria Regional da República da 1ª Região, o órgão ganhou o primeiro lugar num concurso do Ministério do Meio Ambiente de práticas sustentáveis da administração pública.

"Um projeto de reciclagem de resíduos orgânicos em um minhocário na garagem da Procuradoria e uma horta comunitária", disse, sobre o prêmio recebido em 2012.

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Pergunta – O sr. é mais ligado ao agronegócio do que a questões ambientais. Considera que isso pesou na sua escolha para a 4ª Câmara?

Juliano Baiocchi – Sou subprocurador geral da República. Não sou ligado ao agronegócio mais nem menos do que o brasileiro médio, que descende no mínimo de uma segunda geração de produtores rurais. Tenho cultura rural, mas tenho formação urbana, em direito.

Na área ambiental no MPF, atuei como procurador regional da República, em muitos processos por crimes ambientais. Como procurador da República, ainda nos anos 1990, em Criciúma (SC), dei início às investigações que resultaram na vitória do MPF na ação civil pública do carvão.

No STF, tenho atuado em processos sobre meio ambiente e nunca me deparei com esse antagonismo que sua pergunta encerra, entre o meio ambiente e o produtor rural.

Uma das atuações mais marcantes da 4ª Câmara no ano passado foi de oposição ao desmonte dos órgãos ambientais federais, incluindo o Ibama. O sr. vai manter essa posição?

JB – Como membro de um colegiado composto por três membros, não possuo esse protagonismo que você me atribui.

Outra atuação da 4ª Câmara é no projeto Amazônia Protege, que gerou centenas de ações civis públicas e multas a partir de imagens satelitais do Inpe. O sr. pretende manter?

JB – Nem a 4ª Câmara e muito menos eu temos autoridade para suprimir ou manter ações civis públicas em curso, pois estão a cargo do Poder Judiciário.

A Câmara ambiental do MPF na verdade tem atribuição de revisão de arquivamentos ou declínios de atribuição dos colegas de primeiro e segundo grau. Quando eles propõem ações, é o Judiciário que decide, e não a Câmara de Coordenação e Revisão.

Mas a Câmara do Meio Ambiente dará todo o suporte logístico e jurídico para a plena atuação dos colegas, na aplicação das leis e da Constituição, conforme o entendimento do colegiado, que integrarei a partir do dia 13 de junho.

Sob Bolsonaro, houve uma explosão no desmatamento na Amazônia. A que o sr. atribui isso?

JB – Como é intuitivo, à ganância de criminosos, ao clima, à sazonalidade, aos fenômenos da natureza, à diminuta capacidade dos órgãos de controle e fiscalização frente à escassez mundial de recursos naturais.

O sr. defendeu a MP 910, que propunha legalizar terras públicas invadidas até dezembro de 2018 e sofreu oposição da 4ª. Câmara. Ela não beneficiaria grileiros, já que o Brasil já fez diversas regularizações fundiárias, sendo a mais recente no governo Michel Temer (MDB), com marco temporal de 2012?

JB – Eu defendi a regularização proposta na Medida Provisória, que não era de invasões.

Defendi o direito constitucional outorgado ao produtor rural ao título de propriedade da terra cuja posse foi concedida pelo Estado há meio século, em todo o Brasil e não só na Amazônia. Inclua aí, por exemplo, o DF, que havia sido esquecido na MP 910.

Leis e decretos têm se sucedido com esse objetivo há décadas, sem suplantar a burocracia estatal. A 3ª Câmara do MPF, que cuida da tutela da ordem econômica, tem posição clara a favor do fim da informalidade nas ocupações de terras da União, cujo estado de coisas revela uma afronta ao artigo 170 e seguintes da Constituição, que não cuida de direito ambiental, mas de direito de propriedade. Não vi na MP 910 nenhuma disciplina sobre direito ambiental, que não fosse reafirmar o cumprimento das normas em vigor pelo colono.

No ano passado, usou a expressão "no cangote do produtor rural", em artigo em que se apresenta como subprocurador e produtor rural, para criticar a Terracap. É a mesma expressão usada por Bolsonaro contra a fiscalização ambiental. O sr. compartilha da visão de que as regras atuais atrapalham o agronegócio?

JB – No âmbito do tema do artigo que publiquei no Correio Braziliense, sim. Em Brasília temos mais de 9.000 famílias assentadas em terras rurais há 60 anos, sem o título de propriedade correspondente, prometido aos colonos por JK na década de 1950.

O presidente Bolsonaro ignorou a lista tríplice ao nomear Augusto Aras para a PGR. O sr. está entre os procuradores que consideram isso uma ameaça à independência do MPF?

JB – Não, isso não é uma ameaça à independência dos procuradores. Cada um de nós temos um ofício de atuação determinado por lei. Nem o Bolsonaro nem o STF nem o príncipe de Orleans e Bragança tem possibilidade de interferir nisso.