O menino de 5 anos que ficou cego e outros efeitos trágicos das informações falsas sobre a covid-19

O menino de 5 anos que ficou cego e outros efeitos trágicos das informações falsas sobre a covid-19

"Seus pulmões estão inflamados, e seu corpo simplesmente não responde", afirma, com voz trêmula.

Após ler teorias conspiratórias na internet, o casal pensou que a doença era um engodo ou no máximo uma gripe. Mas no início de maio, sua mulher contraiu o coronavírus.

"Agora me dou conta de que o coronavírus definitivamente não é falso. Ele está lá fora, se espalhando."

Desinformação perigosa

Uma equipe da BBC tem investigado o custo humano da desinformação a partir de dezenas de casos, alguns que não tinham vindo a público ainda. Foram entrevistadas pessoas afetadas e autoridades de saúde a fim de checar as histórias.

Os efeitos se espalham pelo mundo.

Boatos na internet levaram a ataques feitos por multidões na Índia e envenenamento em massa no Irã. Engenheiros de telecomunicações foram ameaçados e atacados e torres de transmissão de telefonia celular foram incendiadas no Reino Unido e em outros países. Tudo em decorrência de teorias conspiratórias.

No Estado americano do Arizona, um casal ingeriu uma garrafa de um produto de limpeza de aquários ao pensar, erroneamente, que ele continha um remédio profilático contra a covid-19.

Envenenamento por produtos de limpeza

O mês de março se aproximava do fim quando Wanda e Gary Lenius começaram a ouvir sobre a hidroxicloroquina. O casal notou que havia um ingrediente aparentemente similar no rótulo de uma velha garrafa guardada na casa deles.

A droga hidroxicloroquina pode ter o potencial de combater o vírus, mas ainda há pesquisas em andamento sobre o remédio, por isso sua eficácia não pode ser comprovada ou descartada de modo seguro.

Nos últimos dias, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decidiu retirar temporariamente a hidroxicloroquina da sua lista de medicamentos em estudo para tratar a covid-19. Com base em um estudo publicado na Lancet, a instituição alegou que não estava claro que o medicamento apresentava o nível de segurança necessário. Mas o estudo em questão sofreu diversos questionamentos sobre a confiabilidade dos dados e foi retirado da plataforma. Em seguida, a OMS decidiu retomar os estudos com a droga.

Especulações sobre a eficácia da hidroxicloroquina contra a covid-19 começaram a circular pela internet na China no fim de janeiro. Veículos de imprensa, inclusive estatais, citaram estudos antigos sobre seu uso como um remédio antiviral.

Pouco depois, um especialista francês anunciou resultados promissores. Ainda que a pesquisa tenha sido amplamente questionada, o interesse em hidroxicloroquina disparou. Ela foi citada, com níveis distintos de ceticismo, por diversos veículos de imprensa e figuras influentes, a exemplo do executivo-chefe da Tesla, Elon Musk, e o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro.

A droga passou a figurar também em entrevistas de autoridades na Casa Branca e em tuítes do líder americano, Donald Trump. "O que nós temos a perder", disse em 3 de abril. "Tome."

Em meados de maio, ele disse ter tomado a droga, seguindo seu próprio conselho. Cada menção do presidente dos EUA resultava em picos de comentários e buscas sobre a droga, segundo dados da ferramenta de monitoramento online CrowdTangle.

São raros os relatos de overdose da hidroxicloroquina, mas a ansiedade decorrente da pandemia levou pessoas a medidas extremas.

Na Nigéria, um aumento do número de pessoas com envenenamento por hidroxicloroquina levou autoridades de saúde do Estado de Lagos a alertar a população contra o uso da substância.

No início de março, um vietnamita de 43 anos deu entrada em uma clínica especializada em envenenamento em Hanói após ingerir uma dose enorme de cloroquina. Ele estava avermelhado, trêmulo e incapaz de enxergar direito. O diretor da unidade de saúde, Nguyen Trung Nguyen, afirmou que o paciente teve sorte de ser atendido rapidamente, pois poderia ter morrido.

Envenenamento por álcool

No Irã, autoridades afirmam que centenas de pessoas morreram envenenadas por álcool depois que viralizaram boatos sobre seus supostos efeitos terapêuticos.

Ao todo, o boato afetou ao menos 796 pessoas até o fim de abril, segundo Kambiz Soltaninejad, autoridade da Organização de Medicina Legal do Irã. Segundo ele, essas mortes foram resultado de "notícias falsas em redes sociais".

A verdade por trás desse número é nebulosa em um país onde o álcool é proibido e o álcool ilegal é frequentemente contaminado. Mas, neste caso, a equipe da BBC viu rumores da suposta "cura" se espalhando no aplicativo de mensagens Telegram antes do anúncio oficial do governo sobre as mortes.

"Meu amigo comeu sabão"

Para além da hidroxicloroquina, o presidente americano, Donald Trump, fez especulações também sobre diversas supostas curas da covid-19. No fim de abril, ele sugeriu que raios ultravioletas poderiam neutralizar o vírus.

"Daí vejo o desinfetante, que derruba o vírus em um minuto. Um minuto. Pode existir uma maneira de fazer algo desse tipo por dentro, com uma injeção, ou quase como uma limpeza?"

"Perdemos muitas vidas para a desinformação"
O caso de Brian pode ser um caso extremo, mas com a enorme quantidade de informações circulando — a OMS falou em infodemia — muitas outras pessoas foram enganadas pelo que leram na internet.

Eles não estão necessariamente se matando tomando curas falsas. Mas podem estar diminuindo suas chances de sobrevivência ao não considerar que o coronavírus é real e perigoso.

Em uma sexta-feira de maio, dois homens na casa dos 40 anos chegaram a um hospital de emergência no bairro de Queens, em Nova York. Eles moravam na mesma casa, trabalhavam em turnos longos e compartilhavam uma cama de solteiro. Ambos estavam gravemente doentes.

Em poucas horas, o médico Rajeev Fernando viu um deles morrer diante de seus olhos. O outro foi colocado em um respirador.

"Perdemos muitas vidas para a desinformação"

O caso de Brian pode ser um caso extremo, mas com a enorme quantidade de informações circulando — a OMS falou em infodemia — muitas outras pessoas foram enganadas pelo que leram na internet.

Eles não estão necessariamente se matando tomando curas falsas. Mas podem estar diminuindo suas chances de sobrevivência ao não considerar que o coronavírus é real e perigoso.

Em uma sexta-feira de maio, dois homens na casa dos 40 anos chegaram a um hospital de emergência no bairro de Queens, em Nova York. Eles moravam na mesma casa, trabalhavam em turnos longos e compartilhavam uma cama de solteiro. Ambos estavam gravemente doentes.

Em poucas horas, o médico Rajeev Fernando viu um deles morrer diante de seus olhos. O outro foi colocado em um respirador.

Fernando perguntou aos dois por que eles não foram ao hospital antes, e ouviu deles que leram em algum lugar na internet que a ameaça do vírus não era séria.

"Eles tentaram terapias alternativas, achando que isso é exatamente como a gripe."

Ambos estavam no grupo de risco da covid-19, que inclui cardíacos, diabéticos e hipertensos, por exemplo. Mas o médico Rajeev Fernando acredita que eles poderiam ter se recuperado se tivessem ignorado os conselhos falsos e procurado ajuda especializada mais cedo.

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