Anvisa avalia permitir uso de estoques de agrotóxico banido e associado a mal de Parkinson

Anvisa avalia permitir uso de estoques de agrotóxico banido e associado a mal de Parkinson

A nova proposta coincide com a apresentação de projetos no Congresso para tentar derrubar a norma da Anvisa. Um deles, apresentado pelo senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), da bancada do agronegócio, aguarda votação no plenário do Senado.

Uma primeira decisão por banir o paraquate, no entanto, havia sido adotada ainda em 2017, após uma revisão de estudos pela equipe técnica da Anvisa apontar riscos à saúde de agricultores.

A avaliação à época era de que o paraquate tem potencial mutagênico (ou seja, pode trazer mudanças no material genético) e traz risco de doença de Parkinson entre produtores que lidam diretamente com o material. Não há evidência de prejuízos à saúde da população ou de que o herbicida deixe resíduos nos alimentos.

Adotada a medida, a agência definiu um prazo de três anos como transição. Nesse intervalo, houve abertura para que o setor pudesse apresentar novos estudos -o que não ocorreu. Também foram adotados alertas nos produtos.

A possibilidade de adiar o banimento, no entanto, passou a ser analisada neste ano novamente em meio a pressão do Ministério da Agricultura, que também responde pelo registro de agrotóxicos, e de membros do setor.

O argumento é que pesquisas que poderiam trazer nova análise sobre riscos estavam sendo desenvolvidas, mas foram prejudicadas pela pandemia do novo coronavírus. O grupo também questiona a decisão da Anvisa.

"A Anvisa usa metadados para tomar essa decisão, que é uma escolha baseada em perigo e precaução. Ela simplesmente juntou um monte de estudos e fez correlação, e disse que pode dar problemas de mutagenicidade. Não foi a conclusão da Austrália, que fez nexo causal, ou dos Estados Unidos. Esse sistema quem usa é a Europa", afirma Fabrício Rosa, diretor-executivo da Aprosoja (Associação Brasileira dos Produtores de Soja).

Entidades da área de saúde e meio ambiente reagiram. A defesa é que, desde a decisão de 2017, há um número maior de evidências que apontam riscos à saúde e sustentam a proibição, e que é baixa a probabilidade de que novos estudos contrariem essa análise.

"Ele é proibido em outros países e tem efeitos tóxicos graves, tanto agudos quanto crônicos. São efeitos de contato do trabalhador, e de pessoas que moram em áreas próximas da área da pulverização", relata Karen Friedrich, do grupo de saúde e ambiente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), citando como exemplo um aumento na incidência de Parkinson em agricultores e o aumento no risco de câncer.

Após análise em 15 de setembro, por três votos a dois, diretores da Anvisa decidiram então por manter o banimento. Na ocasião, a possibilidade de adotar uma medida extra para análise dos estoques chegou a ser citada por alguns diretores, mas ainda não tinha sido apresentada.

Na prática, a proibição já passou a valer.

Rosa diz que a defesa por usar os estoques ocorre devido à dificuldade em substituir o paraquate, o que deve levar agricultores a terem que misturar produtos diferentes e a um aumento nos custos.

"A Anvisa está proibindo no meio da safra", afirma ele, segundo quem o setor contava com a liberação dos estoques. "Não tem produto substituto em volume suficiente para atender os produtores."

Já Friedrich, da Abrasco, argumenta que não há motivo para novo adiamento. Ela lembra que a proibição era esperada desde 2017.

"Não faz nenhum sentido o setor estocar esse produto já sabendo que nesse mês de setembro teria a proibição, a não ser que tivesse uma expectativa de reverter a avaliação de alguma outra forma que não pela toxicidade", diz. "Manter e usar esse estoque é apoiar um artifício que o setor econômico viu de estocar um produto que saberia que seria proibido, e manter pessoas expostas."

A reportagem questionou a Anvisa sobre a nova proposta, mas a agência informou que não iria comentar.

Em nota, o Ministério da Agricultura afirmou que fará o cancelamento dos registros dos produtos à base do ingrediente paraquate nos próximos dias e "adotará as providências necessárias para o cumprimento da resolução da Anvisa."

O órgão justifica a ausência do cancelamento até o momento à necessidade de "aguardar respostas da Anvisa a algumas questões técnicas". A pasta não informou quais.

Questionado, o ministério disse não ter informações sobre os estoques. A reportagem também questionou o Ibama, que acompanhava vendas dos produtos, mas não recebeu resposta até o momento.

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