Impacto no uso futuro de máscaras é difícil de estimar, dizem pesquisadores

Impacto no uso futuro de máscaras é difícil de estimar, dizem pesquisadores

Há indícios de que foi isso o que aconteceu na chamada gripe espanhola, que matou dezenas de milhões de pessoas a partir de 1918.

“É comum destacar as ondas de 1918 e 1919, mas em 1920 houve outra onda muito séria de gripe. Acontece que o cansaço das pessoas em relação às medidas de proteção era tão grande que nada mais sério foi feito”, diz a antropóloga Beatriz Klimeck, doutoranda em saúde coletiva na Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), citando o livro “A Grande Gripe”, do historiador americano John Barry.

No caso da Covid-19, a sensação de que quem passou por dois anos de pandemia pode ser a de ter convivido com ela por décadas –e isso também contribui para esse tipo de distorção ou apagamento.

“É possível perceber que a facilidade de esquecimento é muito grande”, afirma a historiadora Beatriz Kushnir, do Programa de Pós-Graduação em Gestão de Documentos e Arquivos da Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro).

“Muita gente agora não consegue se lembrar de como era a situação em março e abril de 2020, quando havia aquele desespero em relação a sair de casa, e agora fala em isolamento social como se fosse coisa de extraterrestre”, afirma Kushnir, que coordenou o projeto Testemunhos do Isolamento, que recolheu centenas de depoimentos de pessoas comuns sobre os primeiros meses de pandemia. Na Unicamp, a historiadora Ana Carolina Delfim Maciel coordena um trabalho similar na plataforma “Memórias Covid-19”.

Além disso, não se deve esperar que mudanças de comportamento afetem diferentes países e regiões de maneira uniforme, lembra Rauber e Souza.

O sociólogo aponta que as epidemias de doenças respiratórias da primeira década do século 21, como a da gripe H1N1, fortaleceram o hábito do uso de máscaras em países como a China, mas não foram suficientes para criar a mesma cultura de proteção coletiva nos EUA, embora o país também tenha sido afetado pelo problema.

Apesar dessas barreiras, ainda é possível falar em legados da Covid-19 para a saúde pública do futuro? Beatriz Klimeck diz que, em sua pesquisa de doutorado, um elemento importante que tem aparecido é a percepção da importância dos aerossóis (suspensão de pequenas partículas no ar) para a transmissão da Covid e de outras doenças respiratórias, algo que antes não estava claro nem para a própria comunidade científica.

“A ideia de que os aerossóis que são a principal forma de transmitir a doença são produzidos ao falar, cantar, gritar é uma virada muito importante e um grande ganho em termos de conhecimento de saúde pública, justamente por mostrar como é muito mais seguro ficar ao ar livre do que em ambientes fechados”, diz ela.

“Existem fotos incríveis de 1918, com aulas ao ar livre, barbeiros e cabeleireiros trabalhando em espaços abertos. É um entendimento sobre o contágio aéreo que a gente pode recuperar.”

Ao menos no Brasil, o prestígio da vacinação como forma de prevenção também sai relativamente intacto dos anos de pandemia, apesar do negacionismo propagado pelo presidente Jair Bolsonaro e seus aliados.

Isso é resultado de uma cultura institucional em favor da vacinação que dura quatro décadas, afirma Beatriz Kushnir. “Temos aquela imagem do Serra vacinando o Lula, mostrando que isso sempre extrapolou barreiras partidárias.”

Apesar disso, não está claro até que ponto a memória do que aconteceu nestes anos de pandemia vai ser capaz de marcar a consciência histórica das próximas gerações. “Se nem os horrores da Segunda Guerra Mundial conseguiram mudar a forma de as pessoas viverem em sociedade, não dá para dizer que a Covid-19 teria esse efeito”, diz Kushnir.

Por outro lado, a experiência de enfrentar uma doença totalmente desconhecida é algo que a maioria das sociedades do século 21 ainda não tinha experimentado.

“Em 1918, na época da gripe espanhola, as pessoas morriam de doenças infecciosas o tempo todo, então havia uma certa familiaridade com isso. Já a Covid mudou a vida de todo mundo por muito tempo, e isso não vai ser esquecido”, afirmou John Barry à revista Scientific American.