Biden deve ignorar acordo e falar sobre clima e eleições com Bolsonaro, diz assessor

O presidente dos EUA, Joe Biden, deve ignorar as exigências do líder brasileiro, Jair Bolsonaro, e falar sobre ambiente e eleições livres na reunião bilateral que os dois mandatários terão nesta quinta (9), em Los Angeles, disse o conselheiro de Segurança Nacional, Jake Sullivan, a jornalistas americanos.

De acordo com o assessor do democrata, a pauta climática será “um tema importante da conversa” para avançar “na relação entre Brasil e EUA, especialmente em ações tangíveis para proteger a Amazônia”.

Além disso, os líderes devem abordar as “eleições livres, transparentes e democráticas” que o brasileiro enfrentará em outubro. Segundo Sullivan, não haverá temas proibidos na conversa entre os presidentes.

Era tudo o que Bolsonaro não queria ouvir. A mensagem do conselheiro contradiz o acordo feito por emissários do presidente americano com Bolsonaro, que estava reticente em participar da Cúpula das Américas por não querer ser pressionado pelo democrata, com o qual não tem afinidade política.

Bolsonaro só aceitou ir a Los Angeles depois que um emissário que Biden enviou a Brasília o convenceu de que não seria pressionado pelo americano justamente nos assuntos relacionadas a ambiente e aos ataques ao sistema eleitoral. O encontro está marcado para as 15h15 (19h15 em Brasília) desta quinta. Será a primeira conversa entre os dois presidentes desde que o americano tomou posse, há um ano e meio.

Mesmo com a clara mensagem de Sullivan, diplomatas brasileiros afirmam, sob anonimato, que mantêm a expectativa de que Biden evitará atritos com Bolsonaro e que a reunião pode servir para avançar algumas pautas de interesse brasileiro, como a retirada de barreiras à importação do aço, e de prioridades americanas, como o reforço no combate a redes de tráfico de pessoas e de imigração ilegal.

Mas o democrata tem sofrido pressão de ativistas e de políticos de seu partido para cobrar Bolsonaro. O pleito ganhou força após o desaparecimento do jornalista inglês Dom Philips e do indigenista Bruno Araújo Pereira, enquanto produziam uma reportagem na Amazônia. O governo Bolsonaro reduziu instrumentos de fiscalização e foi acusado de aparelhamento de órgãos como o Ibama e a Funai, o que, segundo opositores, piorou as condições de segurança na região.

Apoiador do ex-presidente republicano Donald Trump, que perdeu a reeleição para o democrata, Bolsonaro disse várias vezes que havia suspeitas de fraude na eleição americana. Na terça (7), em entrevista ao SBT, o presidente brasileiro voltou a questionar o resultado da eleição nos Estados Unidos. “Quem diz [sobre fraude] é o povo americano. Eu não vou entrar em detalhe na soberania de um outro país. Agora, o Trump estava muito bem, e muita coisa chegou para a gente que a gente fica com o pé atrás. A gente não quer que aconteça isso no Brasil”, afirmou.

A embaixada americana reagiu e respondeu nesta quarta. “As eleições são a expressão mais visível de uma democracia, e os Estados Unidos têm orgulho da longa história de eleições livres, justas e confiáveis que passam por um processo minucioso e resistem ao desafio do tempo”, disse a representação diplomática do país em nota enviada ao jornal O Globo e confirmada pela Folha.

Enquanto isso, em Los Angeles, um grupo de 50 ativistas protestou em frente à prefeitura da cidade também nesta quarta pedindo que Biden não faça nenhum acordo com Bolsonaro durante a cúpula.

“A Amazônia e todos os ecossistemas do Brasil têm sido atacados, o que literalmente assassina pessoas indígenas”, discursou Leila Chicana, diretora da ONG Amazon Watch. Alguns cartazes mostravam Bolsonaro em meio a chamas, com frases como “criminoso climático” e “mentiroso na cidade”.

“Não podemos normalizar as relações bilaterais em um contexto em que os direitos humanos têm sido sistematicamente violados. Biden deve cobrar Bolsonaro de forma mais ampla para respeitar as normas democráticas, o que ele não está fazendo, e a respeitar a lei”, disse Steven Donziger, advogado americano que processou empresas como a Chevron por danos ambientais e esteve presente no protesto.

Além do ato, manifestantes colocaram dois caminhões com telões para rodar pelas ruas da cidade californiana, nos arredores do local da cúpula, com mensagens contra Bolsonaro, acusando-o de ampliar a destruição da Amazônia e de atacar a democracia brasileira. Os veículos também exibiam mensagens questionando o paradeiro de Philips e Pereira, desaparecidos na Amazônia.

As pressões também vêm de parlamentares democratas. O deputado Jim McGovern foi às redes sociais cobrar por buscas pelos desaparecidos na Amazônia. “Peço ao governo do Brasil para intensificar os esforços para encontrar o respeitado jornalista Dom Philips e o indigenista Bruno Araújo Pereira, desaparecido há vários dias”, escreveu.

Em comunicado, os deputados Raul Grijalva e Susan Wild defenderam que Biden “deve mandar uma mensagem firme [a Bolsonaro] de que esforços para semear desconfiança no sistema eleitoral, intimidar eleitores e endossar a violência são inaceitáveis”.

Nomeada por Biden nova embaixadora dos EUA no Brasil, Elizabeth Bagley já havia expressado a posição do governo americano sobre a eleição brasileira em sabatina no Senado em maio. “[O presidente Jair] Bolsonaro tem dito muitas coisas, mas o Brasil tem sido uma democracia, tem instituições democráticas, Judiciário e Legislativo independentes, liberdade de expressão. Eles têm todas as instituições democráticas para realizar eleições livres e justas”, disse na ocasião.

Além da reunião com Biden, Bolsonaro deve participar da plenária de abertura da cúpula e deve discursar em outro evento na sexta-feira pela manhã. Até a tarde desta quarta, não havia previsão de reuniões bilaterais com outros presidentes.