Padrasto e enteada são alvos de racismo após usarem trajes da Oktoberfest

LUAN MARTENDAL
FLORIANÓPOLIS, SC (UOL/FOLHAPRESS) – Um servidor público e a enteada foram alvos de racismo após publicarem um vídeo na internet usando trajes típicos alemães durante a Oktoberfest, em Blumenau (SC).

A gravação foi feita pela família no sábado (8) enquanto participavam dos desfiles da maior festa popular da cidade e também a principal celebração da cultura germânica nas Américas.

Nascido e criado na cidade do Vale do Itajaí (SC), o servidor participa anualmente da festa -que reúne cerca de 600 mil pessoas durante todo o mês de outubro- e afirma jamais ter vivenciado preconceito de forma tão direta como o enfrentado neste final de semana.

“O sentimento que eu tenho é que quiseram nos desapropriar daquilo que é um direito nosso. Eu sou nascido e criado aqui na cidade, que, tem, sim, colonização alemã, mas que eu também faço parte. Já notei o racismo velado, olhares que são corriqueiros, mas dessa forma direta, de pessoas falando que não pertenço a determinada cultura, é a primeira vez que enfrento”, afirma ele.

Segundo a vítima, que trabalha na prefeitura da cidade, ele, a enteada, seus irmãos e alguns amigos que também são negros foram para a festa no sábado vestidos com os trajes típicos Fritz e Frida, dois símbolos da Oktoberfest.

Acostumada a postar vídeos no TikTok, a namorada dele postou o registro familiar com hashtags comuns em publicações virais que mostram diferentes transformações das pessoas em uma fração de segundos. No caso do servidor e da enteada, a transição de cenário e de roupa era o diferencial

O que era para ser uma publicação corriqueira se transformou em crime, quando diferentes perfis passaram a atacar os dois. “Nós verificamos que a publicação estava carregada de comentários na segunda-feira e a grande maioria (das postagens) era questionando como dois negros estavam usando traje típico alemão, perguntando se a festa era na Bahia, e ofendendo o povo africano e do Nordeste”, conta ele.

Dentre as mensagens deixadas no vídeo estavam comentários como “é branco querendo ser preto e preto querendo ser branco”, “pasmem!!! Tem preto no Sul”, “Oktoberfest em Wakanda”, “german black”, “também tá tendo (Oktoberfest) aí na Bahia”, “achei que ia só branco (na festa)”, e “a festa é no Nordeste também?”.

Ainda assimilando toda repercussão do caso, o servidor público conta que fez uma denúncia e boletim de ocorrência pelo crime de racismo, que deve ser investigado por uma equipe especializada em crimes virtuais.

Prefeitura repudia ataques

O caso de racismo também fez com que a família recebesse apoios e fosse convidada a participar do tradicional desfile da Oktoberfest durante o feriado desta quarta-feira (12), com trajes de Fritz e Frida. Eles aceitaram o convite.

Outras pessoas negras aproveitaram para parabenizar a atitude da família e relatar que agora também se sentem encorajadas em usar as roupas típicas da festa, o que não faziam por medo de represália. “Meu sonho desde pequena é ir nessa festa e usar essa roupa, mas, como eu sou preta, morro de medo”, dizia um dos comentários na publicação do vídeo.

A Prefeitura de Blumenau emitiu uma nota oficial repudiando o episódio de racismo e reafirmando que a 37ª Oktoberfest é uma festa para todos.

Leia a íntegra da manifestação:

“A Organização da 37ª Oktoberfest repudia qualquer tipo de discriminação seja por raça, gênero, orientação sexual, religião, ideologia, origem étnica ou diversidade. Acreditamos ainda que a festa seja um lugar de confraternização, alegria e respeito, que não tem cor. […] A Organização da festa destaca que a Oktoberfest está aberta aos turistas e visitantes, buscando receber todos da melhor maneira possível. Com isso, atitudes racistas ou de qualquer outra natureza discriminatória não são bem-vindas e devem ser punidas dentro da lei”.

O prefeito de Blumenau, Mário Hildebrandt, também publicou um vídeo ao lado de sua filha e com a participação do servidor e da enteada. Na gravação, ambos refazem a "trend" do TikTok em que transformam suas roupas comuns nos trajes típicos da festa alemã.

“Eu peço respeito e solidariedade para todos que, assim como eles, estão passando por situações como essa. A Oktoberfest é para todos e não tem cor”, afirmou o prefeito.

“Somos negros, somos blumenauenses e amamos a Oktoberfest. As pessoas não têm direito de usar essa rede para nos atacar, nos ferir e nos machucar”, finalizou o servidor.