Pequim teme "cenário Xangai" em combate à Covid e dispara preocupação na China

Pequim teme

É o que o regime batizou de “política dinâmica da Covid zero”, que adota desde meados do ano passado, em que isola pontualmente áreas com registros da doença antes de decretar lockdown em toda a cidade. A estratégia causa incômodos: na última semana, por exemplo, todos que passaram por um shopping de Pequim precisaram se isolar em casa por dez dias após um único frequentador ter um caso notificado.

O que assusta a população é que esse foi o roteiro adotado em centros econômicos do país, como Shenzhen e Xangai –mas as duas não conseguiram conter a doença só com as medidas pontuais e depois precisaram decretar quarentenas rígidas. Na segunda, a situação se estende há semanas, em meio a insatisfação popular e protestos em redes sociais, disparados após denúncias de desorganização das autoridades municipais e desabastecimento, além de uma controversa política de separar pais de crianças infectadas.

O receio dos pequineses é que o mesmo aconteça na capital. Analistas, porém, apontam que as ações do regime comunista devem ser mais comedidas em Pequim, sobretudo após a repercussão negativa do lockdown de Xangai.

“O controle de uma série de coisas na China ficou muito mais rígido do que o usual nos últimos tempos, e nisso se inclui o controle sobre a pandemia”, diz Jiangnan Zhu, professora de ciência política da Universidade de Hong Kong. “Para Pequim, no entanto, o mais provável é que a resposta aos casos recentes de Covid-19 seja conduzida de maneira mais cautelosa.”

Isso porque no segundo semestre deste ano a capital recebe o 20º Congresso Nacional do Partido Comunista, em que há a expectativa de que o atual líder, Xi Jinping, confirme um inédito terceiro mandato. Figura mais poderosa do regime chinês desde Deng Xiaoping, Xi conseguiu abolir, em 2018, o limite de dois mandatos à frente do país, abrindo caminho para permanecer no poder de forma indefinida.

Ainda há, no entanto, pendências burocráticas, como mudanças em estatutos do partido que estipulam que só uma reeleição é tolerada e que colocam limites de idade para membros do politburo. Um provável terceiro mandato ainda enfrenta resistência de figuras importantes como o ex-premiê Zhu Rongji. Nesse cenário, tudo o que Xi não quer é ver eclodirem em Pequim movimentos de gente desesperada gritando pela janela ou ações orquestradas em redes sociais para criticar o regime, como houve em Xangai.

A situação na cidade continua desafiadora, levando inclusive a especulações a respeito de uma possível mudança na administração municipal. O polo financeiro da China registrou 13.562 novos casos nesta quarta e 48 mortes –levando a soma dos últimos dez dias a 238. O número de óbitos pode ser ínfimo para os padrões registrados em outras megalópoles em picos da doença (São Paulo teve, em 2 de abril do ano passado, uma média móvel de 220 mortes), mas é considerado desastroso na China.

Enquanto isso, os moradores de Pequim resolveram se precaver.

Humberto Monteiro, o brasileiro dono de uma churrascaria na cidade, acha que ainda não há motivos para desespero, mas por via das dúvidas fez estoque de comida para pelo menos um mês: comprou carne de porco, boi, galinha e pato, além de arroz, macarrão e muitos congelados para sustentar a casa onde mora com a mulher e três filhos. Ele vive em Chaoyang, distrito mais populoso da capital, com 3,5 milhões de pessoas, que primeiro anunciou que testaria toda a população três vezes nesta semana –outros dez distritos seguirem a estratégica e afirmaram que também farão campanhas de testes em massa.

A churrascaria, chamada de Brazilian Churrasco, fica em um hotel no qual operavam também outros quatro restaurantes, hoje fechados. “Como turistas estrangeiros não têm entrado no país e recentemente nem chineses mais se hospedam lá, o movimento caiu muito”, diz ele.

Havia uma expectativa de que o turismo fosse reaquecido no 1º de Maio –o feriado do Dia do Trabalho estende as comemorações por alguns dias e forma uma data especialmente importante para o setor–, mas a prefeitura já ordenou que agências de viagens suspendam as excursões à capital e passou a exigir testes para entrar na cidade.

Também no setor de alimentos, Dino Dabach, 52, sócio de outro restaurante em Pequim, estocou comida para dois meses, com carne, frango, enlatados e produtos menos perecíveis. “Não quero que aconteça aqui o que passou a meus colegas em Xangai, que enfrentam uma situação difícil”, afirma.

O empresário viu quarteirões próximos a sua casa se fecharem após a confirmação de casos da doença, mas até aqui tem passado incólume pelo vírus. Ele diz que o lockdown em Xangai tem ainda um impacto econômico: com a dificuldade de obter produtos, sobretudo carnes, do exterior, em meio a um congestionamento no porto do polo financeiro, seus gastos cresceram em torno de 30% nos últimos meses.